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OS FATOS

Lançar pontes

por Ángel L. Fernández Recuero
15/09/2016 - Um, é sacerdote e teólogo. O outro, um cientista agnóstico. Tornaram-se amigos. E neste cara a cara explicam porque o encontro entre seus mundos é não só possível, mas urgente. Para todos nós
Javier Prades (à esquerda) e Juan José Gómez Cadenas.<br> © Foto de Lupe de la Vallina
Javier Prades (à esquerda) e Juan José Gómez Cadenas.
© Foto de Lupe de la Vallina

Javier Prades é formado em Direito e doutor em Teologia. Atualmente é Reitor da Universidade eclesiástica de San Dámaso, de Madri. Juan José Gómez Cadenas estudou Física na Universidade de Valência e, depois, em Standford. Hoje está à frente do projeto internacional Next, cujo objetivo é compreender a natureza intrínseca do neutrino e da matéria escura. Nós conversamos com os dois para encontrar, se possível, pontos de contato entre a ciência e a religião. Julguem vocês mesmos.

Os senhores nasceram, ambos, em 1960, e suas vidas foram dedicadas ao ensino e à pesquisa. O que têm em comum um doutor em Teologia e um doutor em Física?
Prades.
Nascendo no mesmo ano e no mesmo País, compartilhamos uma história comum, a história da Espanha do desenvolvimento econômico, das mudanças culturais e sociais que não podíamos sequer imaginar, da transição política... Provavelmente percebemos esses eventos de modo semelhante. Em relação às inquietudes e à sensibilidade, compartilhamos – e nos demos conta disso com surpresa e simpatia – a paixão pela realidade e o amor pela razão. Estas duas categorias são, a meu ver, os primeiros pilares da ponte que queremos construir.
Cadenas. Eu diria que há um outro elemento: na minha idade acho um pouco maçante limitar-se a falar com pessoas que pensam como você. Entusiasma-me ter encontrado Javier – por puro acaso – e descobrir as nossas afinidades pessoais, intelectuais e geracionais. Atrai-me o fato de que uma conversa com ele começa com a cosmologia ou os neutrinos, passa pelas nossas lembranças da Transição, permeia a questão da inteligência artificial, questiona sobre o sentido do mal e se diverte com Kant, e tudo isso sem abdicar de algumas cervejas. Creio que essa atração entre polos opostos também agrade a Javier. Ele apresentou recentemente seu livro sobre teologia, e os três relatores que estavam com ele nessa apresentação eram um cientista declaradamente agnóstico – eu –, um conhecido intelectual, filósofo convertido ao judaísmo e uma célebre filósofa e feminista com diversas tomadas de posição anticlericais em seu currículo. Quando perguntei a Javier por que tinha convidado amigos tão perigosos, respondeu-me que preferia falar com pessoas que não pertencem à Igreja porque tinha outras ocasiões de diálogo com os teólogos. A minha leitura deste fato é exatamente a que estou lhe dizendo agora. A busca pelo outro, pelo outro que é ao mesmo tempo o seu oposto e o seu semblable (semelhante), como dizem os franceses. Este me parece ser um dos deveres do intelectual.

Existem verdades indemonstráveis na ciência e na religião?
Prades.
Talvez fosse mais interessante começar levando em consideração o outro lado da moeda, as verdades demonstráveis. Quero dizer, o espetáculo surpreendente devido ao fato de que somos capazes de compreender a fundo muitos aspectos da realidade. Não vou procurar o ponto de encontro entre ciência e religião começando por aquilo que é puramente indeterminado. É fundamental reconhecer a ciência, mas também a filosofia e a teologia, a confiança na capacidade da razão humana de nos revelar coisas verdadeiras. Verdades que podem ser encontradas em âmbitos diferentes. A razão pode descobrir muitíssimas coisas: vemos isso hoje em dia observando as ondas gravitacionais. São realizações do conhecimento, que se baseiam sobre a nossa capacidade de reconhecer a verdade. Creio que um diálogo construtivo entre ciência e religião pode partir desta capacidade da razão de identificar a verdade.
Cadenas. Concordo. O uso da razão como instrumento para a busca da verdade não é uma metodologia exclusiva do método científico, na realidade parece-me que é uma herança da filosofia. A teologia de Javier baseia-se sobre a mesma metodologia e fornece um território comum.

Francisco Vázquez, ex-embaixador espanhol no Vaticano, dizia que o único modo de se interessar por Deus é mediante a razão humana. Então, qual é o papel da verdade revelada?
Prades.
Posso concordar com essa observação porque se não se respeita a razão não se honra a Deus. Quanto à revelação (refiro-me ao cristianismo), tem um papel singular, sobre o qual podemos voltar mais adiante. Mas gostaria de insistir sobre uma questão preliminar. No nosso mundo ocidental, o relacionamento entre o saber e o crer tornou-se problemático. Parece inevitável aquilo que eu definiria como uma recíproca estranheza. Se algo está em conformidade com a razão, não tem nada a ver com a fé revelada. E se algo pertence à revelação, é estranho à razão. Essa divisão tem raízes antigas e criou dificuldades enormes. É uma das questões que devemos reconstruir com um diálogo paciente para recuperar um modo de conceber a razão que possa dizer respeito a âmbitos diversos e que permita compreender, por exemplo, que a religião não é algo puramente arbitrário ou sentimental, mesmo que o seu modo de conhecer seja diferente do da ciência ou da filosofia, exatamente pela singularidade do seu tema.
Cadenas. Nesse sentido, acho muito interessante olhar para trás e dar-se conta de que há não muito tempo atrás essa dicotomia não existia. Para Isaac Newton, que provavelmente é o físico mais importante da história, não gera nenhum conflito propor as leis da gravidade universal e acreditar nas verdades reveladas e na religião cristã. Tem-se a impressão de que essa progressiva evolução em direção ao confronto seja algo recente que, entretanto, não me parece indispensável. Um diálogo razoável admite diferentes pontos de vista, mas não se apraz com o confronto e muito menos com a depreciação do outro. Pelo contrário, tem interesse em verificar se o outro ponto de vista tem algo a oferecer. Trata-se de dialogar para aprender, mais do que para contestar.

Há incompatibilidade entre aceitar o modelo corrente do início do universo e o fato da existência de Deus?
Prades.
Não vejo por que deva haver incompatibilidade entre uma teoria típica do conhecimento científico e uma afirmação filosófica ou religiosa. E os modelos científicos mudam com o tempo. No século XIX sequer se levava em consideração a ideia de um universo único e em expansão, ideia que, em substância, ajusta-se melhor com uma visão religiosa da criação, e pensava-se que o universo era eterno, imutável e estático. Quem dissesse o contrário no âmbito científico era, para dizer pouco, marginalizado, dado que o universo era uma entidade infinita. Por isso se acrescentava, passando a um outro âmbito, que ao seu lado não podia haver um Deus, porque eram dois infinitos que se excluíam. A hipótese do Big Bang nasce no âmbito científico e leva a rever profundamente a noção do universo físico. Com isso, não quero dizer que deveríamos adotar as posições do assim chamado “criacionismo” no âmbito científico, mas simplesmente deveríamos observar a evolução dos modelos da astrofísica que estão sendo propostos para compreender cada vez melhor a realidade na sua dimensão cosmológica, física. E é sempre válido o questionamento, digamos, metafísico, que requer a intervenção de outras modalidades no uso da razão. Para evitar uma falsa convergência deve-se desenvolver o trabalho fundamental, ao qual faço referência, de um exercício global da razão, dando atenção aos pressupostos epistemológicos do conhecimento científico. No meu modo de ver, é este o âmbito no qual será mais fácil nos encontrarmos.
Cadenas. O cientista inevitavelmente se pergunta: o que havia antes do Big Bang? A tendência natural do pensamento, e em particular dos modelos científicos e matemáticos, é continuar na busca de um porquê, e as possíveis respostas não são poucas.

Prades. O cientista é um homem e enquanto tal busca uma explicação unitária da realidade. Se o cientista está pesquisando sobre a antimatéria, o nêutron ou o próton, às vezes se concebe como um especialista tão focado sobre aquilo que estuda que não quer ouvir falar de mais nada.

Cadenas. E alguns não saem daí...

Prades. Depois, há uma outra posição, a do homem que tende a buscar uma explicação global da sua vida e do mundo. Neste caso, entram em jogo muitos outros conhecimentos além daqueles que derivam da observação científica de um dado fenômeno. Nós, homens, temos a exigência de uma explicação unitária, e esta exigência é própria apenas do homem. Sobre isso, Habermas faz uma observação interessante. Diz que tentar passar da explicação científica de um ponto particular a uma tese totalizante não é ciência, mas má filosofia. O homem de ciência pode e deve fazer ciência, e disso derivam consequências positivas no seu âmbito. Mas se, como cientista, passa desse ponto da explicação científica a uma explicação completa da realidade, disso deriva um salto injustificado. E se aquilo que se quer sustentar é que a ciência enquanto tal é a explicação universal de tudo, essa não é uma afirmação científica. E o debate recomeça...

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