Um Bloco de carnaval que nasceu há alguns anos com um grupo de amigos apaixonados por música. Jovens participantes de Comunhão e Libertação (CL), com o desejo de colaborar na grande festa popular, leva às ruas de São Paulo desde 2015 muita animação, simpatia e a beleza das marchinhas de carnaval. Neste ano, o Bloco do Binguelo sairá às ruas no dia 27 de fevereiro. Releia a entrevista abaixo, realizada para a Revista Passos, na edição de março de 2016.
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Entrevista realizada pela revista Passos, edição 178 de março 2016.
Há alguns anos, um grupo de amigos apaixonados por música, principalmente jovens recém-formados da universidade que participavam de Comunhão e Libertação (CL), criou o Sarau Tradição, que organizou vários eventos musicais em São Paulo. Do gosto e simpatia do grupo pelas marchinhas carnavalescas surgiu a ideia de um bloco, tendo como referência o carnaval de São Luís do Paraitinga e as tradições brasileiras. Daí nasceu o Bloco do Binguelo, em 2015. O nome refere-se a um franguinho imaginário, o Binguelo, que fugiu da granja para vir pular o carnaval na cidade grande. Neste ano, o Bloco teve uma formação de aproximadamente 10 pessoas, que compõem a percussão, harmonia e vocal. Saiu pelas ruas da Vila Madalena, o bairro do novo carnaval de rua de São Paulo, arrastando centenas de foliões.
Para falar da experiência do Bloco, ouvimos cinco membros de sua formação e alguns amigos que pularam com eles. Da formação deste ano, conversamos com Mariana Pinhal, professora de Artes em um colégio, Gustavo Parizzi, engenheiro, João Tarifa, estudante de engenharia, todos os três de CL, Uribe Teófilo, analista de sistemas e autor do “hino” do Bloco, e Marco Antônio Alfaia, gerente de vendas. Entre os foliões, conversamos com o fisioterapeuta Leandro Parizzi e o arquiteto Ubiratan Silva.
Antes do Bloco do Binguelo, muitos de vocês já estavam juntos na proposta do Sarau Tradição. Qual é a importância da música, do cantar juntos e da festa na vida de vocês?
Gustavo. Eu gosto muito de música e, desde pequeno, ela me faz experimentar a beleza de maneira muito concreta. Como diria Rubem Alves, “a música faz parte da minha carne”. Quando ouço ou faço música, é como se cada parte do meu corpo fosse tomada por algo profundamente verdadeiro e vibrante. Quando a música é feita junto com os amigos, a experiência se torna ainda mais sensacional!
Leandro. Desde que me entendo por gente, não me lembro de viver algo verdadeiramente bonito sozinho, mas sempre na companhia de familiares ou amigos. Experiências essas evidenciadas dentro da vida de Comunhão e Libertação. Gostando de música mesmo sem saber tocar instrumento algum, sempre fiz questão de estar perto daqueles que celebravam o prazer de se encontrar para simplesmente cantar e tocar juntos. Foi assim que testemunhei a criação do Sarau Tradição, iniciado pelo meu irmão Gustavo e minha cunhada Mariana junto com amigos mais próximos (Livia, Wellinton, Marcão e Thiaguinho) que através da música estendem a amizade que vivem e que no carnaval se transformaram no Bloco do Binguelo.
João. Os meus primeiros contatos intensos com a música foram no colegial, aprendendo violão e formando bandas de garagem com os amigos. Depois passei a participar do coral, da bateria universitária da faculdade e a organizar as músicas para as férias dos universitários de CL. A música ajuda a me descobrir melhor. O envolvimento com ela me fez ficar interessado sobre a cultura de carnaval e a experiência católica, gerou encontros com grandes amigos ao longo desses anos. Quando se ouve ou se produz uma bela música, somos mais vivos e queremos conhecer mais daquilo, e, se vamos a fundo, a vida nos apresenta suas novidades! O movimento valoriza muito a música. No início dos encontros, é ela que dá o tom do momento, que abre as pessoas para as propostas. Também valoriza a unidade nos cantos, expressando que o “grito” de todos é um só. Esses aspectos nos educam a olhar a beleza e significado da música, ao invés de vê-la como algo banal. No Bloco do Binguelo também procuramos ser uma coisa só: músicos, ritmistas, crianças, adultos e idosos todos juntos com a mesma vontade de se divertir no carnaval.
Então, qual é a proposta do Bloco do Binguelo?
Mariana. O carnaval é a festa popular mais democrática do Brasil, onde todos de transformam em foliões, sem determinar credo, gênero ou cor. Ela celebra a pura alegria de viver. Desde o início, a proposta era a de nos encontrarmos para fazer algo que deixasse a vida mais prazerosa, mais bela e saborosa.
Marco Antônio. Queremos viver o carnaval como um momento de confraternização do bem entre famílias, amigos e crianças. Sorriso, alegria, inocência, experiência, integração e felicidade. Acredito piamente na base do Bloco do Binguelo, são pessoas extremamente do bem, que pregam o respeito pelo próximo, por isso, conseguimos trazer conosco, primeiramente nossos familiares e crianças, depois vieram amigos e amigos dos amigos, fora as pessoas que passaram, gostaram do som, da energia e resolveram acompanhar o Bloco do Binguelo.
Gustavo. A proposta é para todos. Gente humana, de carne e osso. Independente da cultura, do tempo, do caminho trilhado, aquilo que é essencial ao homem prevalece e nos une.
Muito legal! As festas populares tradicionalmente eram assim: velhos e moços, homens e mulheres, ricos e pobres, todos deveriam encontrar aí seu lugar. O exemplo mais típico em nossa cultura urbana atual são as festas juninas. Os carnavais de antigamente eram assim. Os de hoje nem sempre. Vocês conseguiram dar este caráter para o Bloco?
Uribe. Duas caixas de som em uma praça resumiam as intenções do primeiro ano do Bloco. Resultado, a praça ficou pequena e, em 2016, o Binguelo invadiu as ruas com um carro de som e cerca de 3 quarteirões ficaram preenchidos de foliões de todas as idades que seguiam o Bloco.
João. Acho que o Bloco conseguiu interagir e acolher os mais diferentes tipos de público, usando estratégias como conversar com os moradores dos prédios, interagir com os idosos e crianças, e escolher um repertório que atendesse aos gostos de todos.
Ubiratan. Não sou muito de pular o carnaval, nem tinha experiência de seguir um bloco de carnaval de rua, mas foi com muita alegria que participei deste gesto. Levei comigo o filho pequeno de um casal amigo, o Francisco. Ele olhava tudo com surpresa e atenção, um pouco tímido, mas nada que um pouco de espuma de carnaval e música não liberasse. De maneira simples e vivaz o Bloco foi descendo a rua e contagiando inclusive alguns moradores que desceram dos prédios para acompanhar da calçada ou do jardim (vi uma senhora que dançava com um cachorrinho no colo). Muitos idosos também participavam contentes, pois o Bloco apresentava muitas marchinhas antigas.
Marco Antônio. Chamei algumas pessoas para participarem do Bloco. Uma amiga que não encontrava fazia anos, me questionou se poderia levar a filhinha de 4 aninhos. Disse que sim, então, ela foi e levou a pequena vestida de bailarina. Ela nunca tinha brincado o carnaval, foi uma folia só! Isso aconteceu pré-carnavalesco, no dia de ir para a rua, a pequena Sophia, acordou e perguntou para a mãe: é hoje que é o dia do Binguelo? Sua mãe confirmou e ela já levantou disposta, elétrica, dizendo que iria arrasar, seria a dona do Bloco do Binguelo.
Uribe. Um dos momentos mais legais foi quando o Bloco virou, literalmente, para a casa de umas senhoras que foram super receptivas e entraram no clima. Elas posaram para o público que retribuiu com muitas palmas...
Gustavo. Fiquei muito marcado pela receptividade da associação de moradores da rua em que desfilamos, após termos nos apresentado e comunicado informações (através de uma carta) a respeito dos dias de desfile. A presidente desta Associação entrou em contato e se mostrou bastante simpática à proposta, nos ajudando de forma concreta nos detalhes operacionais do carnaval.
Mariana. Acho que o carnaval de rua, especificamente em São Paulo, é um movimento profundamente positivo e frutífero, embora esteja apenas engatinhando. É preciso levar para as ruas uma proposta que contemple todas as instâncias envolvidas (moradores, foliões, comércio, órgãos públicos) e não apenas o prazer pela festa na rua de um grupo específico. A ocupação do espaço público é algo que precisa nascer de nós, e enquanto direito, é justo que o façamos, mas é fundamental que isso seja feito com responsabilidade e respeito pelo entorno. A cidade é de todos, e isso precisa ser considerado.
Justo. Quando fazemos uma experiência bonita, ela nos permite julgar a realidade, vendo o que existe de positivo e como torná-la ainda melhor. Que outros juízos sobre o carnaval vocês podem nos dar?
Leandro. A proposta de fazer um Bloco de carnaval de rua em uma cidade como São Paulo é, no mínimo, assustadora em um primeiro momento. Mas por uma questão de fidelidade, de uma certeza moral em relação aos amigos e com certeza por gostar de uma festa, mostrei-me totalmente disponível. E assim foi. Resgatar o verdadeiro carnaval de rua com marchinhas antigas, usar uma peruca loira ridícula, dançar e celebrar com idosas e crianças que nunca havia visto de maneira totalmente gratuita, pular carnaval com minha esposa, cunhados, meus pais e minha tia (algo que nunca pensei em viver), são coisas que salvam uma festa simples, porém carregada de significado. Quando celebramos algo assim, simplesmente transbordamos essa alegria em forma de festa e que enche os olhos de quem está perto. É algo que acontece. Assim como o cristianismo. A partir de um encontro que gera um acontecimento. O Bloco do Binguelo para mim foi isso, um acontecimento, independentemente de qualquer problema logístico ou de ordem prática que tenha ocorrido. E isso muda tudo, a ponto de até o fato de recolher o lixo da rua após o Bloco passar ser uma coisa com sentido.
João. O carnaval é repleto da expressividade e da beleza da cultura brasileira. Se olharmos para os desfiles tradicionais das escolas de samba (que é só um aspecto dentre os vários do carnaval) já podemos encontrar muita riqueza. Tive oportunidade de desfilar este ano na Unidos do Peruche, em São Paulo, e é impressionante o empenho, unidade e vibração dos integrantes na preparação para o desfile, consequência de um trabalho de um ano todo. Cada detalhe do desfile esconde algo de belo: as homenagens que prestam os sambas-enredo, a marcação dos surdos que carrega a escola inteira, o rodar das baianas, as frases de amor pela escola na concentração, os arranjos harmoniosos entre breques de bateria, coreografias dos foliões e o canto... Como cristão aprendi que a arte e a vida devem remeter à beleza! O carnaval traz o belo de sobra.
Ubiratan. Já na parte final da festa, um grupo grande de foliões de outro bloco se juntou ao nosso, se posso dizer meu também, e era nítido que as pessoas vivem na maior parte das vezes um desespero pela alegria, querem ser alegres de qualquer forma naqueles dias, e por isso às vezes bebem muito! Era nítida esta diferença. A vida tem este aspecto interessante, pode ser vivida na esperança da Páscoa ou no desespero da morte sem ressureição.
Mariana. Brincar é afirmar a vida. A nossa sociedade quer que nos adequemos o tempo todo à máquina, que estejamos produzindo sei lá o quê. Mas nascemos para ser mais, para sermos felizes. Creio que a brincadeira seja uma urgência em nossa realidade cotidiana. Quando coloco a palavra brincadeira, refiro-me a essa experiência que, por vezes fazemos de nos conectarmos, de nos unirmos ao essencial, ao todo. Brincar é algo do humano, e está sempre presente. Nossa sociedade carece disso. Pulando junto com as pessoas na praça, brincando com as crianças, encontrando gente de todos os tipos, tamanhos e humores, e o que sinto é que elas nos olham, nos imploram por esse espaço e tempo da brincadeira, para que estejam em contato com a alegria, a vida, a arte. Entendo como uma necessidade primordial, com a qual nascemos. A partir de nossa capacidade de brincar com a vida nos construímos como seres humanos. Essa necessidade de entender como somos, como nos relacionamos com o outro, como nos organizamos com o espaço... isso vai com a gente até a morte. Nascemos pra ser gente, para nos expressarmos em plenitude e liberdade com todos nossos talentos. Tenho claro em mim que esse olhar só foi possível graças ao caminho feito por mim dentro de Comunhão e Libertação. Um olhar diferente para todas as miudezas da vida que faz com que ela ganhe um outro sabor, um gosto por viver.
Em conclusão...
Ubiratan. Foi um momento sem igual para mim e para o Francisco, e creio que para todos que estiveram lá, pois é bonito ver a iniciativa dos amigos florescer e a vibração de uma alegria genuína e bela. Creio que todos podemos dizer: Obrigado Binguelo! Até o próximo ano!
Leandro. É isso mesmo. Para os próximos anos fica o desafio de preservarmos esse carisma que encontramos, sem moralismos relacionados ao carnaval, afirmando a beleza da companhia que encontramos e vivemos juntos como amigos, a beleza da vida. Que venham mais muitos e muitos anos de Bloco do Binguelo.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón