Antes de nascer o mundo conta uma estória: cinco homens, três mulheres, um homem perdido e buscado e uma jumenta; personagens de um drama que se desenrola entre Jerusalém e o Lado-de-lá, num Moçambique que emerge, realista e poético, das mãos escrevinhadoras de Mia Couto.
Quem são esses personagens apenas coadjuvantes de uma história muito mais fundamental? O menino “afinador de silêncios” Mwanito, o alvenel que produzia os tijolos com os quais seu pai “fazia catedral”; seu irmão Ntunzi, a sombra do passado que, antes da “cerimônia de desbatismo”, se chamava Olindo Ventura; o pai Silvestre Vitalício, antes conhecido como Mateus Ventura, que “saiu do seu lugar e nunca mais a si mesmo regressou”; o militar Zacaria Kalash, ex-Ernestinho Sobra, responsável pelo “Ministério da Guerra” em Jerusalém; e Tio Aproximado, que, no Lado-de-lá, era conhecido como Orlando Macara, o Tio Madrinho, que sempre “lento e rendilhado, (...) ludibriava as respostas”. Estes eram os únicos homens que habitavam o mundo que havia acabado “mesmo antes do fim do mundo”. Seu lugar era Jerusalém, o “país derradeiro”, um ermo onde “Jesus haveria de se descrucificar” e era esperado com uma placa à entrada – “Seja bem-vindo, Senhor Deus” –, um lugar onde todos, rebatizados, estavam “isentos de passado”. Junto deles apenas Jezibela, a jumenta.
Contudo, há também – sempre presentes – a ausente mãe Dona Dordalma, que “se imiscuía nas frestas do silêncio, nas reentrâncias da noite”, fantasma sem enterro; a portuguesa Marta, que foi “salva em Jerusalém”; e a bela Noci: mulheres que, cada uma à sua forma, revolucionam, no tempo, a vida desses homens. E, em meio a todos eles, gatilho da revolução, o perdido, mas buscado, Marcelo, acometido de doença mortal – a poesia.
Esses nomes, porém, parecem ser apenas de coadjuvantes. Quem age, em cada página, nas entrelinhas da prosa poética do autor, são o Esquecimento e sua antagonista a Memória. Todo o drama do livro se passa aí: entre a mentira e a verdade, entre o não-lugar e o lugar, entre um futuro inexistente e um passado insistente. A culpa e o perdão, a saudade, o amor, a paixão, o ódio, o combate, o aprender, o rezar, o morrer e o matar: elementos que compõem o pano de fundo, as paginas sobre as quais se descreve essa guerra entre lembrar e esquecer... páginas em que “tudo é a nossa vida. E viver (...) quando é de verdade?”. No anestesiante olvido? Na amarga recordação? Não! Parece que entre o Esquecimento e a Memória, somente a Espera – essa ferida aberta no coração do homem – pode corresponder ao viver de verdade: “A culpa me fez fugir de mim, desabitado de memórias. Era isso Jerusalém: não um lugar, mas a espera de um Deus que ainda estivesse por nascer. Só esse Deus me aliviaria de um castigo que a mim mesmo havia imposto”. Sim, e Ele chegou... na verdade, sempre esteve presente.
SERVIÇO:
Couto, M. (2009). Antes de nascer o mundo.
São Paulo: Companhia das Letras
Título original: Jerusalém (2009).
ISBN: 978-85-359-1476-4
Páginas: 277
Tamanho: 14 x 21
Preço sugerido: R$ 46,50
Link para a Livraria Cultura
Link para a Editora Companhia das Letras
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón