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LEITURA

Quando um homem desperto dialoga com seu tempo...

por Francisco Borba Ribeiro Neto
24/05/2011 - CHESTERTON. Editora Ecclesiae publica "Hereges"

Como um homem realmente desperto, um homem realmente atento e aberto ao real vê o mundo? Esta me parece uma das perguntas mais razoáveis que podem ser feitas a partir do trabalho que padre Carrón vem fazendo neste último ano, retomando O senso religioso, de Dom Giussani. A fé se verifica numa explosão de vida, numa capacidade de ver a realidade, de envolver-se com ela, julgando-a e amando-a, que nos pareceria impossível sem o encontro com Cristo. Mas, como será que isso acontece? Quais são os rostos, os comportamentos, o modo de ser das pessoas que testemunham esta “conversão”?
Esta pessoa, se vivesse na primeira metade do século XX, quando as distâncias ainda não haviam sido encurtadas pela Internet e pelos jatos, talvez se descobrisse como um navegador que após atravessar todos os mares do mundo encontrasse uma terra nova e maravilhosa, e subitamente descobrisse que esta terra era aquela da qual partiu e que eram seus olhos que haviam mudado, permitindo-lhe ver a maravilha que antes lhe era oculta. Se tivesse pendor literário, lembrando as prosaicas estradas de ferro de sua terra, talvez percebesse que as cabines dos controladores de tráfego dos trens são “lugares onde homens, na agonia da vigilância, acendem luzes vermelho-sangue e verde-mar a fim de evitar a morte de outros homens”.
Esta pessoa, se lesse dezenas de livros, ao olhar os intelectuais de seu tempo, veria uma série de homens pretensiosos, que se julgavam críticos e progressistas, mas que não eram capazes de compreender a grande maravilha que é o mundo. E, num rompante de testemunho, talvez escrevesse um livro sobre todos aqueles intelectuais, onde falaria deles – mas no fundo estaria falando de si mesmo, pois em sua consciência encantada pelas novas descobertas que havia feito, ainda não se teria dado conta de que estava expondo ao mundo aquilo que acontecera com ele, mais do que aquilo que acontecia com os outros.
Esta pessoa, diria que seu livro era sobre os “hereges” modernos – sem perceber que ele mesmo, proclamando a força de verdades esquecidas, era o verdadeiro herege para um mundo de ideologia e aparência. Esta pessoa existiu, seu nome era Gilbert Keith Chesterton, e o livro citado é justamente Hereges, recém-lançado no Brasil pela Editora Ecclesiae.
O inglês G.K. Chesterton (1874-1936) foi um dos maiores e mais geniais autores católicos do século XX. Brilhante nos debates, sempre engraçado, grande defensor da Igreja, chegou a ser chamado de “um bispo vestido de palhaço” – apesar de ser casado e nunca ter trabalhado no circo. Hereges, publicado originalmente em 1905, é o primeiro volume de uma trilogia não planejada, ao qual se acrescentam Ortodoxia (1908) e O homem eterno (1925). Um relato no qual o leitor poderá reconhecer um caminho pessoal que começa na descoberta da debilidade das respostas construídas pelo home m em sua pretensão de autonomia (Hereges), passa pela elaboração racional das descobertas feitas a partir da sua aproximação ao cristianismo (Ortodoxia) e culmina no pleno reconhecimento do encontro com a pessoa de Cristo, não mais uma ideia, mas uma presença concreta em sua vida.
Um dos tradutores, Márcia Brito, observa com propriedade que Hereges é uma defesa da humildade intelectual, uma denúncia da arrogância dos intelectuais. De fato, em todos os autores comentados na obra encontramos sempre, no fundo, a manifestação da arrogância intelectual. Porém, seus comentários não são ataques a pessoas, mas a uma mentalidade. Cada autor representa um aspecto da mentalidade moderna e como tal é criticado.
Sua critica, de modo irônico e mordaz, mas não cínico, descobre sempre um valor escondido em cada autor. Chesterton é um homem fascinado pela vida e, como tal, não consegue deixar de ver o fascínio que se esconde mesmo naquilo que ele critica. Mas estas coisas fascinantes têm algo de desconcertante, de surpreendentes. Os homens não são maravilhosos por suas ideias, mas pelo desejo verdadeiro que está subjacente a elas.
Os hereges de Chesterton talvez não sejam tão conhecidos hoje em dia. Nomes como Rudyard Kipling, Bernard Shaw ou mesmo Robert Louis Stevenson , H.G. Wells, Ibsen ou Emile Zola não são suficientemente conhecidos entre nós para que possamos apreciar facilmente toda a riqueza dos comentários de Chesterton. Mas a tradução primorosa resolve este problema satisfatoriamente com notas explicativas que permitem a qualquer leitor saborear a obra.
Mas o mais importante, para mim, é esse maravilhoso encontro com um homem desperto, para quem o cristianismo foi uma experiência de beleza, fascínio e alegria.

HEREGES
Chesterton, G. K.
Ed. Ecclesiae
Campinas, 2011
pp. 294

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