O enredo do romance é simples, quase sumário. Leo, adolescente, apaixona-se por Beatriz, colega de escola. Ela adoece de leucemia. Vai morrer: o epílogo logo fica evidente. Mas nessa espécie de Diário de uma dor, na realidade de um adolescente, escrito em primeira pessoa e atravessado por personagens que o ajudam a crescer (o Sonhador, professor substituto de Filosofia, que o desafia a tirar lições dos livros e da vida; Gandalf, professor de religião de poucas palavras, mas alta intensidade; Sílvia, a amiga que gostaria de ser mais do que é; e dos pais que são mais próximos do que se pensa), Leo descobre a si mesmo. E se confronta com as poucas/grandes coisas que enchem a vida de perguntas e – se levadas a sério – fazem um homem: o desejo, o mal, a felicidade, Deus.
Em Branca como o leite e vermelha como o sangue (Ed. Bertrand Brasil, 2011), best seller que chega agora ao Brasil e em 2010 galgou degraus na Itália na lista dos mais vendidos na categoria “literatura sobre a adolescência”, há justamente isso: perguntas densas enfrentadas de um modo leve, com linguagem – e coração – de adolescente, mas uma sabedoria e uma identificação nada artificial. Talvez não seja uma obra-prima, mas carrega dentro de si suficiente profundidade para dispensar rótulos impingidos apressadamente pelos jornais (“vem aí o Moccia católico”) (Moccia: famoso escritor e diretor cinematográfico italiano) e nos levar a conhecer melhor o autor: Alessandro D´Avenia, nascido em 1977, cabelos loiros e olhos azuis parecendo um viking (é de Palermo, mas vive em Milão, onde leciona Literatura no Ensino Médio). Ao vê-lo, vem logo à mente o Pequeno Príncipe, mas não lhe dissemos isso imediatamente. Depois de duas horas que passou conosco na redação, dialogando de coração aberto e deixando-se questionar, de verdade, por perguntas e observações de dois colegas e três estudantes (Dado Peluso e Alberto De Simoni, professores de Literatura; e os jovens Giovanni, Paola, Caterina), veio-nos a ideia de que a comparação caía bem. A abertura para a realidade é a mesma. Não por acaso, o que vem a seguir é um resumo desse diálogo. Mas, sobretudo, de um verdadeiro encontro.
Vamos partir daquelas que você, a certa altura, chama de “perguntas certas”: verdadeiras, sérias, reais. E daquelas censuradas e maltratadas por muita gente que se dirige aos jovens. Por que você decidiu levá-las a sério num livro que fala deles e se dirige a eles?
D´Avenia: Dou aulas há uns dez anos. E vi – vejo – uma distância extraordinária, dolorosa, entre o que nos é contado a respeito desses jovens pela mídia e o que eles são de fato. Lecionando Literatura, então, é inevitável tocar em pontos vitais. Esse entrar em contato com o seu coração profundo fez nascer em mim um movimento de rebelião contra esse tipo de literatura – de Moccia, justamente – que li todinha, para entender como capta o coração deles. Os números falam claramente: não se vende um milhão de exemplares se não houver algo que toque o coração. E a resposta que vi é justamente esta: foi captada a sede de educação sentimental que é própria dessa idade. Esse coração que, pela primeira vez, enfrenta a realidade com uma abertura extraordinária, que sai do pensamento mágico da infância e começa a olhar em volta para entender quais ingredientes servem para se viver a vida. O primeiro impulso foi uma rebelião contra essa literatura: compreende os sentimentos do coração de um adolescente, mas depois o deixa tão confuso como antes. Um pouco como o iPod: a gente coloca os fones de ouvido, desliga-se por uma hora da realidade e, quando os retira do ouvido, a realidade está do mesmo jeito, imóvel. Por alguns minutos, sentimos menos o seu peso, mas depois ele retorna inteiro sobre nossos ombros. Mas há também outro motivo.
Qual?
D´Avenia: A beleza. Uma beleza que toma conta da gente e que não podemos deixar de comunicar. Quando alguém se apaixona, diz isso pra todo mundo, não é? Pois bem, esse encantamento contínuo com os meus jovens, por sua identidade profunda, me levou a dizer: eu preciso falar dessa beleza, porque ninguém fala. É isso, esses dois ingredientes se somaram. E veio à tona uma história que eu carregava dentro de mim há algum tempo: um jovem que cresce, que se torna adulto, que no início do romance acredita que a própria identidade se mantém na aparência, como os seus cabelos pra cima, mas depois, pouco a pouco, entende que a identidade não está ali, mas em algum outro lugar que ele precisa descobrir. Não tanto porque lhe são dadas no romance as respostas certas, mas porque ele próprio começa a colocar as perguntas certas. E, de fato, o romance termina com a abertura para a realidade.
Descobrir a identidade sob a superfície quer dizer descobrir o eu. É interessante que, para você, isso aconteça a partir do impacto com a realidade.
D´Avenia: Começo sempre as aulas do primeiro ano do colegial explicando um quadro: o Narciso de Caravaggio. Digo aos jovens: “Esta manhã todos compartilhamos esse drama extraordinário do espelho: vocês não poderiam sair do banheiro sem ele”. O primeiro dia de escola é uma espécie de exame de sangue, você se manifesta pela primeira vez aos colegas e diz: “O que será que vocês acham de mim? Como estou vestido hoje?”. Você se levanta duas horas antes e prepara a roupa já na noite anterior... Depois acrescento: “Mas a coisa extraordinária, a diferença entre vocês e nós, adultos, qual é? Enquanto nós sabemos um pouco como somos feitos, por isso olhamos no espelho e adquirimos a coragem que nos permite abrir a porta do banheiro e enfrentar o mundo, vocês mantêm essa porta fechada. Vocês têm um medo doido do que existe lá fora, porque esse mundão não sabe quem vocês são em profundidade. Vocês temem que ele não os compreenda, que os massacre. Mas bendita essa primeira vez em que se percebe a distância entre o que se vê superficialmente e o que começam a perceber que são. Bendito esse momento do espelho. O adolescente é o primeiro a dizer: “Puxa vida, esse sou eu. Mas eu sou mais do que isso, porque consigo dizer esse sou eu”. Então se começa a trabalhar em cima desse sou eu. Mas o que acontece? A gente procura construir na superfície que se vê no espelho aquela identidade que precisa ser construída em profundidade.
Essa, de qualquer modo, não é também a beleza da idade?
D´Avenia: Em certo sentido, sim. Basta pensar uma coisa: por que nós gostamos de amar pessoas profundas e não superficiais? Porque queremos nos tornar profundos. Ninguém nasce profundo. A gente descobre que é feito “em camadas”, porém ainda não possui os instrumentos para ativar as mais profundas. Então, experimenta com os percings, as roupas, o penteado... Se tiver a sorte de encontrar alguém que o ajude a fazer isso, como acontece com Leo, então talvez comece a crescer. Se não, o risco é que permaneça na superfície.
No livro, há muita coisa dos seus alunos?
D´Avenia: Há pedaços da vida deles. Por exemplo, a certa altura recebi e-mail de uma aluna. Duas linhas: “Deus não existe”. E em seguida: “Deus não me quer bem”. São duas linhas maravilhosas, porque a segunda contradiz a primeira. Eu te digo que na realidade ele existe; só que não me quer bem. Portanto, não existe para mim. E esse é o outro tema que me preocupava: não podem nos fazer acreditar que os jovens não fazem perguntas sobre Deus. Não suportava mais isso. Porque não é verdade.
De Simoni: Na medida em que ia lendo, me surpreendeu o nível de profundidade que Leo alcança. Porém me ficou um certo mal-estar por um acento sentimental muito marcado. Por que esse tom? E também: se o problema é encontrar quem ajude a “ativar as camadas mais profundas”, precisa ser alguém diferente da gente. No livro, o Sonhador dá a impressão de ser um adulto que tenta se colocar no nível dos seus jovens...
D´Avenia: Um dos motivos pelos quais decidi me tornar professor foi o padre Pino Puglisi (sacerdote assassinado pela máfia em 1993; ndr), que foi meu professor em Palermo. Escola pública: éramos 1.500 alunos, um caos. Nós, entre uma ocupação e outra, estávamos convictos de que tínhamos o mundo nas mãos. Eu observava aquele sacerdote baixinho, magro, sempre sorridente, e dizia: “Que figura!”. Depois, quando morreu, pouco antes do segundo ano do ensino médio, entendi a diferença entre nós (e os outros professores) e ele: ele vivia de fato as palavras que dizia; aliás, morreu por elas. Depois via o meu professor de Italiano, que era um verdadeiro sonhador: com 65 anos ainda balbuciava ao relatar Dante. Enfim, um filme: Sociedade dos Poetas Mortos. Eu o vi e disse: quero fazer isso. Aos poucos fui redimensionando essa figura, porque é bastante perigosa: Keating traz os jovens para si, ao passo que o Sonhador leva Leo para Leo. Ou seja, ajuda Leo a se tornar mais Leo. Eu sou um inimigo absoluto do professor “amigão” e um férreo defensor da assimetria da relação. Mas creio que a luz-guia de todo docente seja o princípio da Encarnação.
Em que sentido?
D´Avenia: Nosso Senhor, para nos explicar quem é o homem, se fez homem: teve que passar fome, sede, suar, dormir na popa de um barco durante uma tempestade... Ele é Mestre porque mergulhou de um modo perturbador na nossa realidade. Não deixou de ser Deus: é perfeito Deus e perfeito homem. E justamente por isso nos elevou: desposou todas as contradições do nosso coração, mas permanecendo Deus. Essa é a luz que me guia no magistério: para mim, trata-se de participar desse aspecto de mestre que existe em Deus. De certo modo, preciso me encarnar em meus alunos. O que não significa jamais deixar de ser um adulto: mas desposar as contradições deles.
Peluso: É interessante que no livro o tema da vocação, isto é, o que alguém pode construir na sua vida, permanece aberto: porque é uma caminhada que o jovem precisa fazer. E me impressiona a relação com o pai: é a relação com um adulto que tem uma proposta clara.
D´Avenia: A figura desse pai é muito importante para mim. O próximo romance vai abordar isso, já estou trabalhando nele. Hoje, os pais são os grandes ausentes. É a razão pela qual, também, o Pai parece ainda mais ausente. Lendo a chamada “literatura do adolescente”, a gente encontra mães-sargentonas, isto é, opressoras clamorosas, e pais falidos. No máximo, adultos que têm saudade da própria adolescência. Então, por que preciso crescer, se crescer é se tornar alguém que sente saudade de ser como eu sou agora?
Os momentos fundamentais da relação entre o Sonhador e Leo são de desafio. Enquanto que o aspecto fundamental da relação com o pai é quando ele lhe diz: “Confio em você”. Estes me parecem dois momentos fundamentais da educação: a gente provoca o outro para que venha à tona o que ele é e, ao mesmo tempo, aposta na sua liberdade. O que vocês dizem disso, jovens?
Caterina: Quando vejo um professor, eu gosto mais da sua matéria se vejo que ele confia na minha capacidade, se se interessa por mim toda inteira, por aquilo que eu sou.
D´Avenia: Você usou uma expressão maravilhosa: “por mim toda inteira”. É a necessidade de ser tomada toda a pessoa, e não só o cérebro, a ser preenchido de noções. Para corrigir as redações, comecei a usar um sistema com quinze símbolos: assim eles descobrem os erros; do contrário, não aprendem. O último símbolo é um ponto de exclamação, que significa “passagem notável”. Uma minha aluna me diz: “É a primeira vez que alguém, ao corrigir as redações, destaca algo positivo e não só os erros”. Pensei: demorei dez anos para entender isso!? Se erram, dizemos imediatamente. Se fazem algo de bom, por que somos tão lerdos em dizê-lo? É uma ajuda a eles. Esse é o ponto: confiança. É como dizer: “Você é isso, e eu confio em você tal como é. E é daí que tira força para superar suas dificuldades, seus limites?”. Ele carrega dentro de si esse meu “confio em você”, mas também um desafio. Para mim, são dois ingredientes educativos: um é a capacidade de conter; outro, de relançar.
Por que “conter”?
D´Avenia: Há um momento em que a gente não consegue decodificar a tempestade que nos assalta. Então, é preciso que alguém nos diga: “Olhe, isso que está acontecendo com você é normal. Você não está louco”. E que, então, nos dê segurança sobre um futuro que será diferente, se a gente aprender a “decodificar” o que está sucedendo. Jovens, qual ponto do livro os impressionou?
Caterina: Quando li “Beatriz” tentei compará-la com a “Divina Comédia”. A Beatriz de Dante, como a Laura de Petrarca, leva o poeta a fazer pensar em algo diferente, em algo que vai além do que são. A sua Beatriz também é assim, não? Chama Leo para a realidade. O faz perceber Sílvia, lembra a ele que Sílvia existe, que existe a realidade.
D´Avenia: Estou abismado com a sua observação. No livro, Beatriz é a realidade. O fato de ser “branca como o leite e vermelha como o sangue” indica que assim é a realidade. Leo, no início, pensa que o amor é vermelho e ponto. Depois descobre que há um outro lado que dá força, que há necessidade dessas duas cores. Beatriz é um símbolo da realidade. Por quê? Quando nos apaixonamos, entendemos que o sentido da realidade está ali, no amor. Depois ficamos de tal modo desamparados frente à realidade que isso nos toma de maneira incontrolável: mas aí há a primeira intuição de que a realidade se apoia nessa coisa. Então é todo um caminho para se aprende a fazê-lo.
Paola: Por que, então, no livro se fala tanto de “sonho”? Parece algo um pouco irreal. Mas o sonho muda, junto com o personagem? Isto é: “sonhar” para ela quer dizer “desejar”?
D´Avenia: Sim. Mas isso parte do fato de que você se conheça pelo que você é, ou seja, entenda que é um projeto desejado por alguém. A mim isso foi explicado de maneira muito clara por minha mãe, que um dia me disse: “Eu e seu pai queríamos uma criança, Deus quis você”. Não tem escapatória. Deus quis você. Ou seja, você tal como é foi desejado. Dante faz isso: começa a observar o mal que tem dentro, a selva escura, e faz toda uma trajetória para conseguir entender se o amor que move o Sol e as outras estrelas contém ele próprio. Chega à Trindade. Olha dentro de nós e vê o seu centro, que é Jesus Cristo e o seu rosto. E diz: eu estou presente no amor que move tudo. Então retorna à realidade. Porque Dante faz essa viagem partindo a realidade, e a ela retorna. Esse é o meu “sonhar”: estar na realidade. Durante as 24 horas a gente tem a medida suficiente para a nossa felicidade. De qualquer forma, você captou bem: o sonho se desenvolve.
Paola: Leo, no início, quase desafia Deus: “Se você existe, cure Beatriz”. Porém me entusiasmou quando disse: se Beatriz escreve a Deus em seu diário, então certamente ele existe. Porque é assim. A gente vê uma pessoa que diz “Deus existe” e percebe que ela é mais feliz do que a gente. Porém, no final, ele não descobre essa certeza.
D´Avenia: Descobre a realidade. E se descobre a realidade, uma hora ou outra descobre Deus. Eu tenho essa grande confiança. Leo, como é no início, nunca pensa em Deus. Depois chega a dizer: eu quero uma relação com você, mas não consigo entender se você é realmente um pai. É a realidade que tem Deus dentro: o problema é se nós entramos de fato, ou não, na realidade.
Giovanni: Até certo ponto do livro, me senti igual a Leo. Porém, comigo nunca aconteceu de me apaixonar por algo na escola. Talvez tenha sido o fato de descobrir o que pode mudar que me manteve apegado ao livro.
D´Avenia: O presente que esse romance me deu é simples: recuperar um olhar. Há algum tempo, li uma frase de Bento XVI: “O segredo da juventude é descobrir o que permanece estável quando a juventude passa”. Me fez entender o que o romance me deu. O que, da adolescência, vale a pena manter por toda a vida, sem que nos tornemos um adolescente tardio? É justamente essa abertura para o bem, para a beleza, para a verdade, que pela primeira vez desabrocha nessa idade. É isso, a beleza de Leo que eu desejo manter é essa: com cinquenta ou sessenta anos, espero manter essa abertura. Só temo o momento em que me cansarei de fazer o que faço agora. Espero que não aconteça.
Para a gente não se canse é preciso estar na companhia de pessoas que sempre nos fazem esse desafio.
D´Avenia: De fato, se levamos a sério esses jovens, eles nos obrigam a isso.
OBRA-PRIMA
Alessandro D´Avenia nasceu em Palermo em 1977, numa família numerosa (seis filhos). Depois de formar-se em Literatura Clássica e doutorar-se em Antropologia no mundo antigo, dedicou-se ao magistério. Primeiramente, no nível médio, hoje no liceu milanês, onde leciona Italiano e Latim. Ao mesmo tempo, frequenta um curso de pós-graduação em Roteiro teatral e escreveu um bem-sucedido romance de estreia: Branca como o leite e vermelha como o sangue (Ed. Bertrand Brasil, 2011, 368pp).
Credits /
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón