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ARTE

Quando a habilidade e beleza podem caminhar juntas

por Cezar dos Reis (*)
02/10/2012 - O mestre da flauta, Altamiro Carrilho, morto em 15 de agosto passado, deixa uma lacuna insubstituível na MPB
O flautista Altamiro Carilho
O flautista Altamiro Carilho

Genialidade não é algo que se transmite por vontade própria ou característica que se adquire estudando e se esforçando, mesmo que haja uma ambição indomável pela perfeição ou notoriedade.
Há músicos que podemos ouvir milhões de vezes e nunca nos cansaremos deles. E a cada vez que os ouvirmos, vamos admirá-los. Isso é gratificante para nós que apreciamos, mas há o lado ruim também, pois, além de humanos mortais, são também insubstituíveis.

Ele estava com 87 anos, mas existem pessoas que desejamos que estejam conosco aqui para sempre... A morte de Altamiro Carrilho, em 15 de agosto passado, foi uma perda pela qual eu já temia há muitos anos, pois, bem antes de apreciá-lo várias vezes ao vivo, nasci e cresci ouvindo sua flauta nos programas de rádio que meus pais ouviam a noite, como o do Moraes Sarmento, por exemplo.

Quando os amigos de meu pai, que tocavam seresta e chorinho se encontravam lá em casa, havia clarinete e flauta naquele pessoal. Me lembro de ouvi-los comentarem sobre certas passagens de alguns chorinhos e introduções que eles voltavam e repetiam, e alguém dizia: "é isso, mas tem aquele outro jeito daquela gravação...". E logo o flautista respondia: "ah... mas ali era o Altamiro. Não dá pra tocar daquele jeito né...!". Uma vez perguntei sobre isso e meu pai disse que o Altamiro Carrilho tinha tanto domínio do instrumento que os outros não podiam alcançar. Fiquei muito confuso pois não entendia duas coisas: Porque alguém pode ter um domínio que os outros não tem? E porque alguém precisaria fazer a mesma coisa que ele ? Claro que só fui entender isso na idade adulta.

Nunca deixei de gostar de ouvir chorinho, e aos poucos, à medida em que fui me tornando músico, percebia que esse é um tipo de música brasileira nada fácil de interpretar com perfeição, não é possível enganar, ou fazer mal feito sem desagradar a quem ouve, simplesmente porque quem ouve chorinho, conhece muito bem o que está apreciando, e percebe qualquer falha que aconteça.

Os noticiários e veículos da imprensa, especializada ou não, transmitiram a notícia do falecimento do mestre Altamiro, e alguns ressaltaram sua importância dizendo ser Altamiro Carrilho o maior flautista que o Brasil já teve. Isso é verdade, mas não é uma verdade completa. Há anos atrás, Jean Pierre Rampall, um dos maiores flautista eruditos da história da música, quando perguntado se ele conhecia Altamiro Carrilho, o brasileiro, e o que ele pensava a respeito, sua resposta foi exatamente essa: "Existiram e existem excelentes flautistas, existem fantásticos flautistas, existem virtuosos flautistas, verdadeiros fenômenos. E existe Altamiro Carrilho, que está acima e a frente de todos esses".

Ouvir isso de um artista do gabarito de Jean Pierre Rampall é motivo para transbordar de orgulho qualquer brasileiro. Como grande fã do Altamiro Carrilho, não é fácil escolher um exemplo de gravação para sugerir aqui. Quero dizer que qualquer que seja o CD de Altamiro Carrilho que alguém adquirir não irá se arrepender de forma alguma. Mas vou citar o "Chorinhos Didáticos", gravado em 1996 e que ainda existe a venda em lojas. Além disso, é uma forma de ressaltar o lado didático do artista, pois, apesar de um grande virtuoso, com técnica sem paralelo, ele se preocupou em transmitir aos músicos iniciantes as várias formas de se desenvolver uma boa técnica no instrumento, passo a passo, sempre em busca do melhor som, da melhor interpretação, e, se possível, do próprio virtuosismo.

Resolvi escolher este CD por ter utilidades que atendem além do simples apreciador. Os 12 chorinhos ali gravados são extremamente agradáveis de se ouvir, com vários andamentos, mas todos transmitem uma sensação de alegria e prazer. A faixas não tem nome da música pois os choros estão titulados por números, por causa da intenção didática do autor, que compôs as peças para que músicos possam praticar em seus instrumentos, principalmente os estudantes de flauta. Dessa forma, as mesmas músicas de 1 a 12, se repetem da faixa 13 até a 24. São as mesmas músicas, com a diferença que da faixa 13 até 24 as gravações contém apenas o acompanhamento das músicas, isto é, não há mais o som da flauta. Assim, quem desejar pode estudar e tocar as melodias usando esses acompanhamentos, o famoso "playback", com as partituras que acompanham o CD. Eu fiz isso inúmeras vezes com um colega músico e garanto que realmente é muito agradável, instrutivo e gratificante.

Mas para quem não é músico, a simples audição das faixas já é extremamente válida pois as músicas são belas e alegres. Além disso sempre será possível sugerir a alguém que estuda flauta, bandolim, violão, cavaquinho, clarinete, etc... ou para os que ainda não conhecem o nosso Chorinho.

Para os que não conhecem Altamiro Carrilho esse é um ótimo CD para dar o primeiro passo. Mas é extremamente aconselhável que todos conheçam outras obras dele, principalmente as suas composições. Vão ficar admirados com a beleza das melodias e muitas vezes espantados com o que ele era capaz de fazer com a sua flauta.

Se o assunto é Beleza, esse artista a transbordou em toda parte por onde esteve. Agradeço muito por isso.

Esteja em Paz Altamiro Carrilho!

Boa Audição a todos.

(*) Cezar dos Reis é maestro, escritor e professor

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