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ARTE

A companhia das obras da Idade Média

por Mariella Carlotti
14/10/2011 - No início, os peregrinos precisavam de acolhida. No tempo, sem um projeto, a obra torna-se albergue, escola, banco. Através de um ciclo de afrescos, a história da hospedaria Santa Maria de Siena. E de um pintor que assina com o rosto de Cristo...
Nossa Senhora da Misericórdia.
Nossa Senhora da Misericórdia.

Segundo a lenda, no século IX o sapateiro Sorore, tendo piedade dos peregrinos que passavam por Siena, começou a hospedá-los em sua casa: nascia, assim, uma das mais antigas hospedarias da Europa, a Santa Maria da Escada. Essa história, certamente tem um valor emblemático: uma obra que nasceu do movimento de um eu, da comoção de uma pessoa. Mas o nome da antiga hospedaria é um sinal mais certo de sua origem: a obra nasceu diante de degraus eclesiais, na frente da escada da igreja. Se essa é sua localização geográfica – de frente para a escadaria da Catedral (Duomo) – ela indica também sua origem ideal. A hospedaria, de fato, certamente nasceu do desejo dos cônegos da Catedral, para hospedar os necessitados da cidade e os peregrinos da Via Francigena.
“A civilização deu um passo decisivo, provavelmente o passo decisivo, no dia em que o estrangeiro, de inimigo (hostis) tornou-se hóspede (hospes)”, escreveu Jean Daniélou. É essa descoberta do valor infinito de cada pessoa que o cristianismo tornou cultura. E assim, a hospedaria de Santa Maria da Escada abriu-se, no tempo, a todos os homens que precisavam: peregrinos, pobres, doentes, velhos... E até os recém nascidos rejeitados, as crianças abandonadas: o primeiro documento que comprova esse tipo de acolhida data de 1238 e, sessenta anos depois, foi criada a casa pela infância abandonada, de frente para a praça, com capacidade para hospedar até 300 crianças. Assim, os filhos da hospedaria encontravam não apenas um teto e comida, mas também cuidados e educação, raros naqueles séculos. As meninas tinham direito a um bom dote, e aos meninos era oferecida uma quantia – em parte conquistada e em parte doada – para começar uma atividade.
Desde o início, quem trabalhava na hospedaria era uma comunidade de leigos consagrados muito diversificada: os frades “de dentro” moravam na hospedaria, vivendo uma vida em comum; os “de fora”, embora tendo doado sua pessoa e seus bens para a obra, da qual eram corresponsáveis, continuavam vivendo em suas casas, mantendo, se casados, as obrigações conjugais; também havia os “voluntários” que assistiam gratuitamente os pobres e também pessoas casadas que, tendo terminado os deveres históricos de sua condição, ou viúvas, ofereciam o próprio serviço e os próprios haveres nos últimos anos da vida. Santa Catarina dedicou não pouco tempo de sua breve vida aos doentes: a capela de Santa Catarina da Noite mantém viva a memória das noites que passou em oração durante seus turnos na hospedaria. Em 1348, São Bernardo Tolomei, que fundou o mosteiro de Monte Oliveto Maior e a Congregação Olivetana, junto com alguns monges vai cuidar dos leprosos da Santa Maria da Escada e morre contaminado. Enfim, havia pessoas assalariadas ou custeadas através de troca de serviço, onde o limiar entre trabalho e vocação para a caridade normalmente era sutil.

Estalagens fortificadas. Até a arquitetura reflete essa comunidade criada: o albergue nunca foi inteiramente projetado, mas cresceu incorporando um pedaço de cidade, através de doações (entrando na estrutura cheia de labirintos, ainda é possível reconhecer uma rua da Siena medieval, englobada no complexo e coberta com arcos). O albergue cresceu paralelamente com o patrimônio imobiliário e fundiário, derivados dos deixados pelos oblatos e pelos sienenses. Além disso, a riqueza era assegurada pelas grandes propriedades agrícolas: isso permitia que todos os dias fossem oferecidas esmolas aos pobres e que três vezes por semana fosse oferecido um banquete para eles. Para governar essas vastas posses e defender coisas e pessoas dos saqueadores, o Santa Maria organizou uma rede de estalagens fortificadas como centros de direção dos trabalhos agrícolas, de armazenamento das colheitas e amparo da população rural. O albergue tornou-se, desse modo, a maior empresa agrícola e a mais rica instituição da República de Siena, tanto, que criou até uma atividade bancária, fazendo empréstimos a pessoas físicas e também ao Estado.
E a caridade fez-se beleza: os artistas de Siena decoraram os arcos, as paredes e até as capas dos livros de registro do albergue e as amplas salas se encheram de música e poesia. No início de 1300, foi lavrado o estatuto do albergue em vernáculo e, em 1440, o Reitor e a comunidade sentiram a exigência de fixar, com um grande conjunto de afrescos na vasta sala de entrada (a Peregrinação), a origem e o objetivo da grande obra. Três pintores de Siena – o mais conhecido é Vecchieta – pintaram os oito grandes painéis da sala: na parede esquerda os quatro “fotogramas” mais significativos da história secular do Santa Maria. Na parede direita, quatro grandes cenas documentam sua obra.

O pintor. Está claro que estamos diante de uma “companhia das obras” medieval: o Santa Maria, de fato, foi albergue e escola, banco de solidariedade e formação profissional, abrigo para estrangeiros, pobres e velhos e banco forte, centro cultural e riquíssima sociedade imobiliária e fundiária. E foi tudo isso por causa do diálogo entre os desejos de quem o dirigia e as necessidades que foram encontradas, sem nenhum projeto prévio.
Nas capas dos livros de registro originais do albergue estão pintadas cenas da vida da obra. Vecchietta, o pintor do albergue, foi um dos grandes mestres do renascimento sienense, autor do primeiro afresco da Peregrinação. O pintor destina todos os seus bens ao Santa Maria e assina seu testamento com a imagem, em lâmina de ouro e quinino, de Cristo ressuscitado. A criatividade nasce de homens como Vecchietta, que experimentam Cristo ressuscitado como seu nome: é esta certeza que gera obras.

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Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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