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ARTE

"O grito" de Munch, o nosso grito

por Javier Restán
12/06/2012 - Quadro do pintor norueguês Edvard Munch reflete o transbordamento da realidade e o limite do homem para abarcá-la

O comprador desconhecido para “O grito” levou para casa uma das obras mais impressionantes da pintura moderna, um ícone do mundo a que pertencemos, o mundo ocidental moderno. Apesar da nossa sociedade parecer não mais se envolver com a sensibilidade trágica tão característica Munch, é estranho ainda produzir tanta atração que não pode vir senão de uma sintonia última.

O quadro foi vendido na semana passada por 91 milhões de euros. O valor mais elevado até agora já oferecido por uma pintura. Mas isso não significa muito. Esta é uma das quatro versões de "O Grito", do pintor norueguês Edvard Munch. Esta pintura a pastel é a única versão existente do quadro em mãos privadas. Os outros três estão no Museet Munch e na Galeria Nacional da capital norueguesa. Munch pintou várias versões de todas as suas obras: "Se eu voltar várias vezes sobre um assunto penetro-o mais profundamente ... Cada versão representa uma contribuição para o sentimento da minha primeira impressão."

Pintava de memória, tentando expressar o sentimento que a realidade deixava nele. Assim como outros expressionistas (Nolde, Schmitt-Rottluff, Kirchner) um movimento que começou a se formar, reconheceu-o como referência. Mas para ele os vários estilos eram apenas um meio: a sua formação inicial no naturalismo, simbolismo, e no "expressionista" eram, em última análise, tentativas de alcançar o "aspecto humano" da realidade, o seu significado.

O trabalho inteiro de Munch é autobiográfico em sua natureza. Pintou suas próprias experiências e a impressão que ele tinha de grandes e pequenos acontecimentos: a morte precoce de sua irmã Sophia, a ruptura violenta com sua amada Tulla Larsen, as noites nas favelas dos bairros de Oslo, caminhadas à beira-mar. Em seu trabalho .. tudo é descaradamente autobiográfico.

Ele pintou sua casa e lugares queridos, não pintou paisagens, mas a paisagem que viu a partir de casa ou em viagens, não pintava na morte, mas apenas a morte de sua irmã de 15 anos, e não pintou sobre o amor mas sobre o rompimento com Tulla. O Grito é uma alegoria sobre o desconsolo que sentiu às margens do Fiorde de Oslo.

Munch explicou o significado de suas obras em jornais, notas e cartas que agora têm um enorme valor para a compreensão do seu trabalho. Sobre "O Grito" escreveu inúmeras vezes: "Desci a rua com dois amigos ao pôr do sol. De repente o céu ficou vermelho de sangue e senti uma emoção de tristeza. Uma dor lancinante no peito. Eu parei, me encostei na grade, preso de uma fadiga fatal. Línguas de fogo e sangue cobriam de azul-preto o fiorde e a cidade. Meus amigos continuaram andando e eu fiquei ali a tremer de medo. E ouvi um grito enorme infinito passando pela natureza". É, portanto, Munch, que é "retratado" em primeiro plano, e o que ele faz é tapar os ouvidos porque não suporta "o grito" da realidade: cor, natureza, a força impressionante que o superava de todas as formas..

Quem já viu momentos de extrema beleza da natureza escandinava pode entender melhor essa experiência radical de Munch, o temor frente à criação. Embora grande parte da literatura sobre esta imagem a apresenta como o melhor exemplo da lágrima e do desespero niilista moderno, não é verdade. A extrema sensibilidade de Munch fez que sentisse sua incapacidade de compreender toda a beleza e significado. A realidade transbordou: não só a natureza (objeto permanente de interesse artístico), mas transbordava de amor, solidão, morte, tempo, sexo... Munch teve a grandeza e sensibilidade para perceber esse desequilíbrio e encará-lo com honestidade, com humildade, sem atalhos ou compromissos.

Munch veio de uma família protestante que o asfixiava e ele tratou de libertar-se através de amizades com a boemia artística e politicamente anarquista de Oslo e também através de seus primeiros amores.

Por ter renunciado à fé familiar para poder respirar sempre buscou um apoio para as respostas das perguntas impetuosas que encheram sua vida. O especialista em arte e amigo, Jens Thiis, escreveu "o temperamento artístico de Munch é marcado pela metafísica, o que dá a sua arte um ar de celebração quase religiosa das maravilhas da vida".

Sua vida foi uma luta árdua contra sua psicologia, seus medos e também contra o álcool. Esse grito que começou no fiorde de Oslo, continuou ao longo do tempo. Ele tambem lutou a favor da vida:.. "Eu tive que andar por um caminho estreito ao longo de um penhasco. Por um lado, o mar profundo era insondável. Do outro, campos, morros, casas, pessoas ... Às vezes abandonava o caminho para o mundo vivo da humanidade sem lutar contra ele. Mas sempre voltava ao caminho da beira do abismo ".

Desde 1910, quando se mudou para o sul da Noruega, na aldeia de Kragero, iniciou o estágio mais produtivo do seu trabalho e, mais tarde, em 1916 retirou-se para uma casa de campo em Ekely onde residirá até o final de sua vida em 1944. Passou anos em uma atividade artística febril, em isolamento quase total. Nesta última etapa, as suas obras são mais livres de qualquer esquema, mais coloridas. A partir desse momento faz extraordinários auto-retratos e nus (ele sempre pintava de memória e no fim sentiu a necessidade de pintar modelos diretamente), paisagens, etc. Sua arte se torna mais quente e também as perguntas que o assaltam desde a infância: "por que nascemos?".
Buscou responder a questão sem preconceitos, com toda a sua carga de contradições e sua vivência "fui incapaz de me libertar do medo da vida e dos meus pensamentos de condenação eterna". Vendo o trabalho em seu conjunto, através do emaranhado de sua vida, Munch não se rendeu aos rostos céticos como muitos de seus contemporâneos, mas consumido pela necessidade de se expressar, quis sempre baixar à terra cálida para sentir seu significado, da cor e do sim.

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