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ARTE

Uma viagem à Itália por meio da poesia

por Ana Luiza Mahlmeister
05/07/2012 - Exposição sobre a obra de Giuseppe Ungaretti na Casa das Rosas nos aproxima de um dos maiores poetas italianos do século XX
Giuseppe Ungaretti
Giuseppe Ungaretti

O Momento Itália-Brasil 2011-2012 traz ao país uma viagem cultural que se propõe a consolidar os sentimentos de afinidade entre os dois povos por meio da arte e da cultura com encontros e debates com convidados internacionais, além de saraus, leituras e um ciclo de cinema e documentários relacionados à literatura e à Itália Brasil eventos e exposições.

Destacamos uma exposição que acontece na Casa das Rosas, em São Paulo, que vai até o dia 15 de agosto sobre poesia italiana. A curadora é Francesa Cricelli, uma entusiasta do projeto e a responsável pelo segmento de poesia do evento.

A exposição "De uma estrela a outra - Encontros literários Itália-Brasil" destaca a vida e obra de Giuseppe Ungaretti (1888-1970) e as traduções dos poemas de Dante de Haroldo de Campos (1929-2003). Em junho aconteceram palestras sobre a presença de Ungaretti no Brasil, um dos maiores poetas italianos do século XX. A Casa das Rosas reservou uma sala especial onde é possível conhecer um pouco de sua vida e poesias, com tradução de Haroldo de Campos, declamadas pelo próprio poeta em um vídeo de 45 minutos.

Ungaretti teve uma relação intensa com o Brasil. Ele se definia como um homem de quatro pátrias: nasceu no Egito, mas é italiano e filho de italianos. Culturalmente e intelectualmente se criou na França, onde fez faculdade e na Primeira Guerra Mundial lutou pela Itália. Foi para a Itália tardiamente pela primeira vez aos 24 anos, se referindo à sua pátria natal como Terra Prometida (La Terra Promessa). A estas três pátrias se agrega o Brasil que para ele é sua pátria sentimental.

Ungaretti morou no Brasil de 1937 a 1942, e só voltou à Itália por causa da segunda guerra. Chegou ao país por motivos econômicos, conforme conta Francesca Cricelli. Ser professor da USP deu prestígio a Ungaretti que aqui ganhou uma boa condição econômica. Ele e a mulher, uma professora francesa, chegaram ao Brasil com os dois filhos pequenos. Um deles teve uma apendicite mal curada e faleceu ao nove anos em 1939. Ao deixar o Brasil em 1942 deixa também os restos mortais do filho. Em um dos painéis podemos ler sobre essa decisão:

“Eu deixo nesta terra a parte mais nobre de minha alma: uma criança. Aqui viveu seus poucos anos. De vosso céu, de vosso mar, de vossa floresta recebeu as suas emoções. Os companheiros com os quais trocava as primeiras confidências eram crianças desta terra. Eu fora autorizado a levar comigo os amados restos: hesitei. Disse não. Não se arranca um corpo da terra onde se desfaz e que com este se enriquece. Aqui tem terra que é minha, a mais pura, como há terra preciosa de tantos homens, mulheres e crianças da gente diversa que formou e forma esta vossa grande Nação. Eis a primeira das razões que me faz colocar o Brasil entre meus quatro países prediletos, aqueles que deram e dão forma à minha palavra. [...] O Brasil, já disse, é a minha terra da trágica agonia e da oferenda do que havia de melhor em mim.”
(Tradução: Francesca Cricelli )


Ungaretti voltou várias vezes ao Brasil para visitar o túmulo do filho e é por isso que ele também chama o país de sua Trágica Agonia.

Francesca conta que o poeta sempre teve uma obsessão pela arte barroca e afirmou que apenas no Brasil conseguiu compreendê-la. Não por meio da arte barroca brasileira, mas observando a natureza. Ele via na floresta uma orquestração da arte barroca italiana.

Ungaretti também teve uma relação intensa com os poetas brasileiros como Oswald e Mario de Andrade, Murilo Mendes e Vinicius de Moraes. Pela dor imensa de ter perdido um filho afirmava que aqui conseguiu pacificar dois conceitos importantíssimos, cuja gênese se vê em outros poetas italianos como Leopardi, que é a memória e a inocência. Estando no Brasil ele integra os dois conceitos na vida e na poesia que de certa forma, segundo Francesca, é paradoxal: conforme se vai acumulando memórias, mais se perde a inocência e se tem um desencanto com as coisas:

“Minha linguagem já havia acusado, em Il Sentimento del Tempo, a presença apocalíptica da catástrofe e da harmonia violenta que obriga a reparar a catástrofe [...]. Memória e inocência, razão e natureza, como eu as vi e senti entrechocarem-se aqui, no entanto, constituíam para mim uma experiência diferente de todas as outras que já conheci, de todo nova, e se me afiguravam não mais como uma catástrofe a ser alucinadamente remediada, mas como espetáculos da gênese, de uma nova gênese tão desmesuradamente equilibrada que a medida da civilização humana só podia enfrentá-la com uma arte intrepidamente desmedida. O meu livro Il Dolore nasceu em mim de um ferimento pessoal que nunca poderá cicatrizar [...]; nasceu em mim das imagens familiares e muito queridas da poesia de vocês, que se tornavam a substância de minhas palavras essenciais, de meu novo tormento semântico, métrico, sintático, expressivo.”
UNGARETTI, Giuseppe. Vita d'un uomo: viaggi e lezioni. Milano: Mondadori, 2000.


A sua poesia tem a capacidade de preservar a inocência, mas não uma inocência tola, mas um encanto que passa através do sofrimento. Ungaretti se converteu ao catolicismo ao retornar à Itália e como todos os grandes poetas se questiona sobre questões transcendentais. Segundo Davide Rondoni, poeta e diretor do Centro de Poesia Contemporânea da Universidade de Bolonha, que esteve no Brasil para o ciclo de palestras, Ungaretti coloca a vida em foco e compreende-a por meio da poesia.

Ao voltar para a Itália em 1942 a editora Mondadori publica toda a sua obra a qual ele dá o nome de “Vita d’un uomo” (A Vida de um Homem) indicando que a poesia é o testemunho de sua vida.

Além da sala dedicada à Ungaretti, outra é ocupada pelas traduções do Haroldo de Campos da Divina Comédia, de Dante. Haroldo traduziu seis cantos do Paraíso, pouco antes de falecer, em 2003. Também estão expostos os livros de literatura italiana, entre eles as traduções dos livros de Ungaretti, e também as anotações de Haroldo sobre a tradução da Divina Comédia.

Faz parte do Momento Itália-Brasil a exposição das obras de Caravaggio que está em Belo Horizonte e chega ao MASP em agosto.

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