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ARTE

O reencontro da beleza ao olhar para a história

por Cezar dos Reis
31/07/2012 - O compositor de sambas e baião Waldir Azevedo é de uma sensibilidade fantástica e fluente na execução instrumental só vista em grandes virtuoses
Waldir Azevedo
Waldir Azevedo

Há algum tempo, os fãs de samba e pagode, principalmente, apreciaram nas apresentações do compositor-sambista Jorge Aragão, a melodia da "Ave Maria" conhecida como "Ave Maria de Gounod", executada em solo de cavaquinho, com acompanhamento em ritmo de samba-choro. Praticamente unânime, a reação positiva do público confirmou o bom gosto daquela ideia. Entretanto, imaginei que haveria alguma citação, informação, ou comentário sobre a verdadeira origem dessa iniciativa. Se houve algo nesse sentido, eu não fiquei sabendo, e, ao que ainda me parece, raríssimas pessoas conheceram a maravilhosa e verdadeira história de fé que gerou aquele gesto anteriormente.

O que me chamou a atenção para o fato, ocorrido nos anos 70, foi ter visto exposto na loja, há pouco tempo, o CD "Minhas Mãos, Meu Cavaquinho", de Waldir Azevedo originariamente gravado em vinil, em 1976. Então, vamos à bela história:

Em 1973, num acidente com a máquina de cortar grama, Waldir Azevedo perdeu parte de um dos dedos da mão esquerda. Levado imediatamente o hospital, o médico pediu que encontrassem a parte que faltava do dedo, para uma tentativa de reimplante, o que na época não era um recurso tão simples e com garantia de sucesso. Felizmente foi encontrado o pedaço que faltava ao dedo. E felizmente não só foi conseguido o reimplante, como futuramente sua mão foi readquirindo os movimentos e ele pode voltar a tocar seu instrumento.

Quem conheceu a genialidade de Waldir Azevedo como compositor e instrumentista, absurdamente hábil e inspirado, teve motivos de sobra para torcer por sua recuperação, assim como para agradecer ao vê-lo de volta à música.

Sensibilizada pela recuperação de Waldir Azevedo, a artista Cléa Maia Novelino se inspirou e pintou um quadro homenageando o acontecimento, batizando-o de "Minhas Mãos, Meu Cavaquinho". A pequena obra fez parte do XI Salão Feminino da Sociedade Brasileira de Belas Artes, sendo premiado com o "Medalhão Bronzeado - Youth For Understanding". Em agradecimento à artista, Waldir compôs um choro com o mesmo nome da pintura, gravando-o em 1976 no disco que tem o mesmo nome, e agora o temos em CD. E em agradecimento a Deus, por ter podido voltar a tocar após o reimplante de seu dedo, ele incluiu na finalização da faixa título, em 1976, a melodia da "Ave Maria de Gounod" solada ao cavaquinho, com o mesmo acompanhamento que já vinha executando.

Ao ver este CD na loja, levá-lo, ouvi-lo, recordar as outras faixas... fatalmente lembrei de minha adolescência. E eu não conseguiria ficar sem compartilhar essa história com as pessoas que se interessarem por música instrumental brasileira. A meu ver, o acontecimento é muito bonito para que caia no esquecimento ou seja ignorado. Ao ouvir o autor e lembrar a história, fica claro o quanto essa realidade é repleta de BELEZA.

Waldir Azevedo, apesar da simplicidade como pessoa, era de uma sensibilidade fantástica, uma fluência de execução instrumental só vista em grandes virtuoses. Como compositor, mesmo sem entender de técnicas musicais, suas harmonias e ritmos causam fascínio ainda hoje, tanto pela alegria nelas contidas, quanto pela beleza melódica que sempre dão a grata sensação de envolvimento e carinho. Uma das provas disso é "Delicado" um baião que Waldir compôs e foi um sucesso avassalador, inclusive em outros países.

Não posso deixar de compartilhar um caso absurdo. Viajando pelo Oriente Médio, mais exatamente Palestina, parando em uma daquelas tendas onde se vendem lembranças de viagem, roupas, jóias, etc...Waldir Azevedo procurava um porta-cigarros para trazer de presente a alguém no Rio de Janeiro. O comerciante palestino ofereceu a ele alguns dos melhores exemplos, e depois apresentou um em especial, que ao abrir, tocava música. Sim ! Era uma caixinha de música em forma de porta-cigarro. Waldir ficou olhando para o comerciante enquanto tocava a música da caixinha. O homem esperava uma reação de Waldir. E a reação veio, quando ele disse: "Senhor, essa música que toca na caixinha é de minha autoria! Como pode ?". Traduziram isso ao comerciante, que não acreditou na história. Foram ao hotel e trouxeram o disco, a música escrita, e o cavaquinho, e Waldir tocou ao vivo para o comerciante o "Delicado", a mesma que tocava na caixinha de música oriental. Concluiu-se então que, definitivamente, a música de Waldir Azevedo havia ultrapassado todo tipo de fronteira, sem que ele ao menos tivesse ideia disso.


Agora, voltando ao "Minhas Mãos, Meu Cavaquinho", importante dizer que as outras músicas do CD também são ótimas. Valem muito a pena conhecê-las e apreciá-las com calma. Vamos conferir isso? Atente então para "Chorando para Pixinguinha", faixa 3, um samba de Vínicius de Morais e Toquinho, interpretado ao cavaquinho de forma a dar inveja, por sua fluência e precisão. As mesmas qualidades podem ser apreciadas em "Uma Saudade" e "Choro Novo em Dó" de sua autoria.

A faixa 1 e 6 são em ritmo de frevo. Não há como comentar. Melhor ouvir. O disco todo é bem agradável. Mas faço questão de comentar a faixa 11, pois, baseando-se na melodia de uma valsa de Chopin, compositor e pianista polonês do século XIX, composta originalmente para piano, Waldir se utiliza de sua linha melódica original conduzindo a interpretação a um clima totalmente brasileiro, sem perder porém o romantismo original.

Este CD é duplo e pode ser encontrado por R$ 22 em média. Um CD contém "Minhas Mãos Meu Cavaquinho" e o outro traz a gravação do LP "Cavaquinho Maravilhoso", de 1957. Nossa! Eu não perderia essa.

Boa apreciação.

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