A oração de ontem à noite1 chamava a nossa atenção para os dois resultados da conversão: a paixão pelo conhecimento de Cristo (“conhecimento” no sentido pleno e bíblico da palavra), portanto a paixão por Cristo, o amor a Cristo como desejo de adesão a Ele, e, em segundo lugar, as boas obras. A Quaresma é o instrumento – instrumento sacramental – para incrementar essa conversão. Em outras palavras: quando se põe em prática o sinal quaresmal, quando se “aplicam” as indicações pedagógicas em que a Igreja faz consistir o apelo quaresmal, acontece em nós, pela força do Espírito, algo muito maior do que aquilo que nossos esforços habituais poderiam produzir. É um tempo sacramental, é um tempo que Deus destina a nos dar um ímpeto de transformação maior.
Por isso, as coisas habituais ou as práticas habituais, quando são vividas, por obediência à Igreja, no tempo quaresmal, têm um significado maior, têm uma força transformadora maior. Se assim não fosse, seria tudo nominalismo, tudo isso não passaria de meros nomes para nós, e não existiria diferença, ou seja, a história não existiria: trataríamos a Quaresma como tratamos agosto e setembro, quer dizer, com o mesmo desleixo e a mesma distração. No máximo a pregação ou a meditação litúrgica quaresmal teriam temas talvez – talvez! – diferentes dos de agosto e setembro, mas seria tudo nominalismo. Tudo seria nominalismo, simples nomes, faltaria a história real, faltaria uma história real, ou seja, faltaria o senso do Mistério como Cristo: pois Cristo é o Mistério, Deus revelado na história, Deus que se tornou experiência na história, que é uma história, como voltaremos a ver daqui a pouco. Em si, todos os gestos de Cristo eram uma infinita reparação, cada gesto seu era digno de Deus, podia reconciliar o mundo; mas, tal como a cruz foi importante na sua vida, tal como a via Crucis ou a agonia foram importantes, tal como o dia em que começou sua missão foi importante (pois os gestos todos de Cristo não possuem uma homogeneidade sem sentido, por mais que cada um deles fosse o gesto de Deus, mesmo quando comia e bebia ainda criança), da mesma forma, no nosso ano, na vida do nosso ano, nós devemos recuperar o valor da história. Por isso, justamente, a liturgia dizia que a Quaresma é um “sinal sacramental”, tem um valor sacramental para a conversão que os outros momentos do ano, os outros períodos do ano, não têm. Nesse sentido, é realmente uma espera não formal.
Chegamos a dizer ontem à noite que a “oração do dia” do Terceiro Domingo da Quaresma nos indica também as práticas, ou seja, nos indica o que chamamos o sinal material desse “sacramento” que é a Quaresma. Qual é esse sinal material, tal como o pão e o vinho são sinais materiais para a Eucaristia, e a água, para o Batismo? “Ó Deus, fonte de toda misericórdia e de toda bondade, vós nos indicastes o jejum [a mortificação], a esmola [caridade fraterna] e a oração como remédio contra o pecado [como conversão]. Acolhei [benevolente] esta confissão da nossa fraqueza para que, humilhados pela consciência de nossas faltas [remorso], sejamos confortados pela vossa misericórdia.”2 De fato, nós viveríamos entediados conosco mesmos, ou irrequietos perante nós mesmos, insatisfeitos conosco: “Sejamos confortados pela vossa misericórdia”, ou seja, que a vossa presença misericordiosa, o fato de olharmos para Vós, nos dê conforto e alívio.
Portanto, devemos chamar nossa atenção, solicitar a nossa vida, para a verdade desses três pontos, para o uso desses três pontos. A Quaresma deve ser uma obediência a este convite da Igreja: oração, jejum e obras de caridade fraterna.
1. Oração
Em primeiro lugar, é preciso que neste período respondamos ao convite que nos é feito a recuperarmos mais profundamente o sentido da oração. E o sentido da oração cristã é um só: a espera de Cristo. Como dizíamos na Escola de Comunidade3, o profeta representava o povo diante de Deus. Mas o que é que o profeta pedia a Deus, para o povo? Pedia o próprio Deus. Assim, para aquele pedaço de povo que temos mais próximo de nós, que somos nós mesmos, nós só podemos pedir Deus, a manifestação de Deus, “aguardando a feliz esperança”4, a volta de Cristo ou, o que é a mesma coisa, o cumprimento da Sua ressurreição, pois a manifestação final já começou com a ressurreição de Cristo. E termos sido assumidos dentro da “nova e eterna aliança” por meio do Batismo significa que esse fim já está presente em nós. Esse é o pensamento que exalta, esse é o pensamento da libertação, essa é a libertação. Assim, o único verdadeiro desejo é que essa manifestação se complete, ou seja, que se complete a manifestação do que já temos em nós: Cristo ressuscitado. E isso, olhando o tempo com os olhos do homem, com seu olhar normal, é o mesmo que “espera da Sua volta”.
A oração cristã é a espera da Sua volta, o pedido da Sua volta, esse maranathá, “vem, Senhor”, com o qual se conclui o Apocalipse5. Se qualquer oração nossa, se qualquer pedido nosso, se qualquer olhar dirigido por nós a Deus, se qualquer reflexão nossa não é permeada por esse “vem, Senhor!”, não é oração ou é uma oração ainda pagã. Essa é a essência da oração cristã. Atentem, por favor, para o fato de que se poderia dizer tudo isso de uma outra maneira, como sempre fizemos: a oração é memória de Cristo, é a memória da ressurreição. E a memória da ressurreição, para a nossa situação existencial, coincide com o pedido de que se cumpra em nós essa ressurreição, de que ela se cumpra em nós e no mundo. É a mesma coisa. Por isso, não será memória de Cristo se não for espera da Sua volta. São coisas idênticas. Se um homem estivesse apaixonado, a memória da sua mulher coincidiria com o desejo de revê-la.
Essa essência da oração – nós o lembramos justamente em vista da conversão quaresmal, do aprofundamento como conversão quaresmal – quer sublinhar sobretudo duas implicações.
a) A primeira implicação é a segurança; a segurança de que, tendo-nos chamado a pedi-lo, a fazer memória dEle e a pedi-lo, Ele cumprirá o seu desígnio em nós. Por isso, é a segurança da libertação. Essa expectativa é justamente a garantia da fé, é a garantia de que a fé nos conduzirá até o fim; é garantia, segurança ou penhor. Mas a palavra “penhor” acrescenta alguma coisa, pois o penhor é a garantia, a segurança que é dada por uma experiência já inicial da definitividade. Não é para menos que o penhor, em nós, é do Espírito, ou seja, da força transformadora, da força que realiza a libertação, pois é o Espírito que realiza a libertação. “Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: ‘Abá, ó Pai’”6. Só é possível dizer “pai” a alguém quando se tem absoluta certeza e segurança, como o Senhor já disse no capítulo 11 de São Lucas, versículos 1-13, quando fala do pai que não dá uma pedra ao filho, se este lhe pede um pedaço de pão: “Ora, se vós que sois maus, não podeis negar coisas boas aos vossos filhos quando eles as pedem a vós, quanto mais o vosso Pai não poderá negar a vós o Espírito Santo quando o pedirdes”7. Que significa pedir o Espírito? Significa pedir a volta de Cristo, pedir que aconteça a ressurreição, pedir que aconteça a libertação, nossa e do mundo, que é Cristo – pois a libertação é Cristo, não é outra coisa –, pedir que aconteça a ressurreição de Cristo.
Em primeiro lugar, portanto, o aspecto da segurança, do coração que possui garantias, do penhor que já se experimentou. Sublinho estas duas implicações – a segunda eu direi agora – porque são as mais difíceis; pelo nosso orgulho, pelo nosso amor próprio, pelo nosso racionalismo, pelo nosso naturalismo, pela nossa carnalidade, pela nossa autonomia, pelo nosso apego a nós mesmos, são os dois aspectos mais difíceis da oração. “Difíceis”: são os dois aspectos mais esquecidos da oração, mais deixados de lado. Poderíamos rezar esquivando-nos destes dois aspectos do “sacrificium fidei vestrae”8, do sacrifício da vossa fé.
b) Em segundo lugar – e esta é realmente uma outra coisa totalmente esquecida na nossa oração –, se a oração é a espera da Sua manifestação, é ela que nos dá o “como” verdadeiro do tempo, o “como” do tempo que passa. A oração é o coração do tempo que passa – o coração! –, ou seja, ela nos dá a postura, o “como” do tempo que passa. O tempo que passa: levantar-se de manhã, tomar o café com leite, pegar o ônibus, ir para o trabalho ou enfiar-se na cozinha para pôr ordem em tudo, arrumar as camas, varrer, espanar as teias de aranha, comer, tomar o ônibus de volta, ir para casa, falar com as pessoas. Esse é o tempo que passa. O “como” do tempo que passa, o coração do tempo que passa, portanto o valor, o significado do tempo que passa, é dado pela oração. Pois, se a oração é a espera da Sua volta e a Sua volta é a consistência de tudo, é justamente na oração que acontece o “como” do tempo que passa.
Não me parece indiscreto ler este trecho de uma carta que me mandaram. “Todas as vezes que digo na missa: ‘Enquanto, vivendo a esperança, aguardamos...’, eu me pergunto o porquê dessa esperança [leio esta carta para que vocês possam entender como estes dois aspectos, estas duas implicações da oração aqui sublinhadas, são realmente a dificuldade mais aguda para o homem medida das coisas, para a nossa autonomia]. Todas as vezes que digo: ‘Deixai agora vosso servo ir em paz, [...] pois meus olhos já viram vossa salvação’, eu gostaria que essa oração se cumprisse logo, literalmente. De fato, o que o tempo pode acrescentar a esse “já”? [Se já temos a salvação, a pergunta é: para que existe o tempo?] Isso abriria também questões mais amplas, por exemplo a do significado de uma história da Igreja [é verdade, é a mesma coisa: por que, se Ele já veio, existe toda a história da Igreja?]. Por que esperar, se sabemos que “o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousa nEle”? Por que esperar, se sabemos que o tempo – a história – não tem em si a possibilidade da própria salvação, mas a espera apenas da manifestação do juízo de Deus? Por que esperar, se sabemos que nunca poderemos realizar um gesto perfeito neste mundo, que a nossa perfeição não pode ser gerada pelo instrumento que é o tempo? Ou seja, este é um dado – o tempo, a história – que eu não consigo perceber como positivo, do qual eu só consigo ver a característica que tem de algo fragmentário e incompleto”.
Por favor, vocês entendem que somente nesse nível é que a pessoa realmente age como Abraão, sacrificando o filho Isaac? Realmente, a nossa maneira habitual de conceber é destruída. De fato, o único sentido da história – o único –, o único sentido do tempo, é o mistério da vontade de Deus, a absoluta liberdade de Deus. E seria a mesma coisa, ainda que nessa carta não se mencione isso, se perguntássemos: por que Cristo veio há dois mil anos e não há trinta mil, há vinte mil, hoje? Por quê? Essas perguntas não têm resposta na nossa cabeça; a única resposta é a vontade de Deus, o desígnio de Deus, o desígnio misterioso do Pai. Mas, uma vez que isso é aceito e reconhecido, devemos nos abandonar a isso, pois essa é a verdade (a verdade não é uma imagem nossa, nunca) e essa é a bondade (a bondade não é uma imagem nossa de humanidade), e essa é a justiça, pois a justiça é Deus e tão-somente Ele, e é como um abismo sem limites, não existem medidas, não podemos medir, apresentar um critério e uma medida. E a pessoa entende que é aqui que ela “perde a si mesma”, que é aqui que está o abandono total; entende que ela é nada e que tudo é o desígnio e a vontade do Outro, o Absoluto - sem laços, sem medidas – e o inefável – que não se pode descrever, expressar, definir. E a oração, se não é isso – entendam –, é nada, é uma pretensão de adolescente caprichoso, de menino caprichoso, presunçoso e caprichoso. Mas esse abandono evita o intelectualismo ou o esteticismo (“naufragar me é doce neste mar”9) e se torna real de verdade, se torna existencial, somente na experiência cristã. Uma vez que isso é aceito e reconhecido, é aí que a pessoa compreende, que literalmente compreende que é por meio desses caminhos “que não são como os nossos caminhos”10, “essa sabedoria que não é a nossa sabedoria, Deus seja louvado”11, como dizia Miguel Mañara no final daquele trechinho que lemos na Escola de Comunidade, que Deus realiza o seu desígnio. Ou seja, uma vez que isso é entendido e aceito, compreendemos como esse desígnio é assim por amor à nossa liberdade, por misericórdia para com a nossa fragilidade. O tempo nos é dado como amor à nossa liberdade e misericórdia para com a nossa fragilidade.
Diz a Segunda Carta de Pedro, capítulo 3, versículos 8 e seguintes: “Uma coisa vós não podeis desconhecer, caríssimos: para o Senhor, um dia é como mil anos e mil anos como um dia [de vinte e quatro horas]. O Senhor não tarda a cumprir sua promessa, como pensam alguns, achando que demora. Ele está usando de paciência para convosco. Pois não deseja que alguém se perca. Ao contrário, quer que todos venham a converter-se [liberdade e paciência, liberdade e misericórdia]. O dia do Senhor chegará como um ladrão, e então os céus acabarão com barulho espantoso; os elementos, devorados pelas chamas, se dissolverão, e a terra será consumida com tudo o que nela se fez. Se desse modo tudo se vai desintegrar, [em outras palavras, a medida de vocês deverá ser transfigurada, deverá ser contrita e superada de todos os lados], qual não deve ser o vosso empenho numa vida santa [o que é a santidade da vida? O “como” do tempo, que vem da oração] e piedosa, enquanto esperais com anseio a vinda do Dia de Deus [...]? [Por isso] o que nós esperamos, de acordo com a sua promessa, são novos céus e nova terra, onde habitará a justiça”12. Mas a piedade é “esperar com anseio a vinda do Dia de Deus”. Que expressão fantástica! Deveria ser essa a descrição fenomênica, a descrição psicológica perfeita do nosso estado de espírito cotidiano: “Esperar com anseio a vinda do Dia do Senhor”. A oração é isto: pedir a Sua volta.
Mas a carta citada antes prosseguia (foi ela que me sugeriu sublinhar estas duas implicações; a primeira é a da certeza, que retomarei daqui a pouco, pois é a mais aguda de todas; mas é à segunda implicação que estou respondendo: o valor do tempo): “E, se não conheço o porquê da espera, conseqüentemente também não sei como vivê-la. Eu me pego desejando viver, se isto fosse possível, tão-somente em silêncio, em oração, em contemplação, pois tenho a impressão de que em tudo isso a experiência da definitividade se antecipa de maneira mais evidente. E isso apesar de a oração, mesmo quando se liberta do peso e da obtusidade do coração, fazer sempre perceber, mais que a proximidade, a distância abismal entre nós e Deus, aumentando, assim, o sentimento de desproporção e a nostalgia. Mas eu me pego procurando o trabalho, os relacionamentos, para, com isso, experimentar de forma menos aguda essa distância. Eu me pego desejando menos uma verdadeira moralidade da minha vida, porque tenho a impressão de que, seja lá como for, nenhum empenho meu me aproxima da meta [é a lógica: o tempo não tem sentido, a história não tem sentido]. Assim, acabo por me repreender, a cada vez por um motivo: ou porque sou impaciente ou porque, por comodidade, fujo do esforço de uma ascese e da missão que me é pedida. Mas não me tranqüilizo fazendo a mim mesma essa repreensão que nunca se transforma em verdadeira contrição”. Portanto, de um lado, a pessoa tende a fugir do empenho (porque: “Que sentido tem?”, é melhor a oração, a contemplação; mas esta também faz com que se veja ainda mais longe); ou, de outro lado, a pessoa se lança nas coisas para não sentir esse mal-estar.
Ora, se o porquê da espera, se o valor da espera está no fato de que ela é a maneira pela qual Deus liberta a nossa vida e usa de misericórdia para com a nossa fragilidade, tudo o que existe no tempo – tudo! – é esse querer de Deus: tudo, tudo! “Tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus”13, daqueles que reconhecem a aliança. A aliança, precisamente, é Deus que se envolveu com o tempo e com a história, que se tornou tempo conosco. Por isso, desde quando nos levantamos de manhã, nos vestimos, vamos tomar o café com leite, pegamos o ônibus ou arrumamos as coisas, até quando voltamos para casa e vamos dormir, o que esclarece o “como” de todas essas coisas, portanto o “como” do viver a espera, ou seja, o “como” viver o tempo, é a oração, pois tudo o que fazemos deve se tornar oração. Se a oração é espera da volta de Cristo, essa espera é o próprio tempo que vivemos, o próprio tempo com seus conteúdos: pois levantar ou comer ou ir trabalhar é oração, deve se tornar oração, deve se tornar pedido. Este é o significado da palavra mais completa e verdadeira, mais definitiva, que é a palavra “oferta”, como tantas vezes dissemos e não é tedioso para mim repetir, e, a vocês, é uma necessidade ouvir.
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“É motivo de inquietação para mim [dizia a carta no início] ouvir que não tenho nem nunca terei a garantia de perseverar na minha fé [eu poderia dizer vocação, dá na mesma]; é motivo de inquietação o fato de que a minha liberdade tem e terá sempre a possibilidade de recusar Deus. Às vezes eu me repreendo por ter nisso um resíduo de racionalismo” Exatamente! É esse mesmo o motivo. “Racionalismo” significa o homem que pretende julgar a própria vida e as coisas a partir do seu ponto de vista, ou seja, o homem que pretende ser medida de todas as coisas. É o acontecimento de Cristo que determina a nossa vida, é o acontecimento da aliança que dá o significado da nossa vida: é o que nos aconteceu que determina a segurança, a certeza, na nossa vida. “Sim, mas eu posso sempre recusar o que aconteceu.” Compreendam, por favor, o equívoco dessa objeção: pois seria necessário que a pessoa realmente recuse, mas essa só é uma possibilidade se a pessoa não recorda, se ela não faz memória!
Enfim, se, abstratamente falando, do nosso ponto de vista, essas frases, esses medos, essas inquietações são verdadeiras, isso é conseqüência tão-somente do fato de que o tempo, a história, a existência vocacional e a história, como disse São Pedro, nos são dados para favorecer a nossa liberdade, para afirmar a nossa liberdade, para que a nossa adesão ao mistério de Cristo, à volta de Cristo, seja “nossa”. É o tempo que faz com que ela se torne nossa, é com o tempo que se torna nossa, pois esse é o método que Deus estabeleceu em seu desígnio. Não é mecânico, não é imediatista, não é instintivo, não é mágico. Acontece no tempo. Esse é um dado contra o qual não é possível fazer nenhuma objeção, não é possível dizer “mas”, “se”, “porém”, pois nós somos feitos assim; qualquer “mas”, “se”, “porém” é mero fruto da imaginação, como um asno com realejo e duas asas que voa no céu entre as estrelas. É mero fruto da imaginação, não existe nenhuma outra criatura feita por Deus, a não ser esta. É no tempo, ou seja, no tempo vocacional, na existência, portanto, e na história, que se torna nossa a ressurreição de Cristo. E é no tempo e na história que a nossa desproporção, a nossa distância, na misericórdia, é lentamente perdoada, ou seja, totalmente vencida.
Então, sendo que é no tempo que a nossa liberdade e a nossa fragilidade são, respectivamente, afirmada e salva – afirmada a primeira e salva a segunda –, o nosso conceito, a maneira como nós experimentamos a liberdade e a maneira como percebemos a nossa fragilidade é algo em si perenemente inseguro, continua inseguro. Mas isso se dá porque olhamos para a nossa liberdade e a nossa fragilidade, porque as alçamos diante dos nossos olhos como se fossem coisas nossas, em vez de as olharmos do ponto de vista de Deus. O primeiro objeto é Deus, é o mistério de Deus, é Deus que se nos doou, é a misericórdia, é a aliança. Fora desse objeto, todo o resto perde a orientação, não é mais acertado.
A segurança, portanto, e a eliminação da inquietação, a garantia, como dissemos no início, a segurança na fé, o coração que tem garantias, é a presença da aliança. Esse é o primeiro objeto, é o objeto próprio da nossa consciência, dentro do qual tudo se vê. Então se entende muito bem que a existência e a história, sejam quais forem as circunstâncias que as preencham, transcorrem na certeza e na paz. Esse é o dom de Cristo, a paz, se olhamos todas as coisas em Cristo. O problema, portanto, não é a nossa liberdade ou a nossa fragilidade – “Será que vou aderir ou não?” –, o problema é que aumente em nós a memória de Cristo, e ponto final.
Seja como for, eu disse essas duas coisas porque realmente a nossa oração carece – primeira observação – dessa segurança, justamente porque não é verdadeiro pedido, não é pedir Deus, não é afirmar que Deus é tudo, mas é um pedir Deus que sirva à preocupação que temos de nós mesmos, e então ...acabou. Em segundo lugar, a oração é separada do trabalho que fazemos. E esse é um sintoma ruim tanto para a oração quanto para o trabalho. A nossa oração não é uma postura que tende a invadir o trabalho que fazemos. “Senhor, eu não sou digno” deve ser a consciência com a qual a pessoa vai trabalhar no hospital ou vai trabalhar na redação cultural ou tem de trabalhar em casa ou tem de trabalhar na universidade, etc. Isso falta completamente à nossa oração. No máximo, é acrescentado de fora à nossa oração. Também o conceito de oferta fica como que na soleira: “Eu te ofereço esta ação”, mas depois a ação não tem nada a ver com aquela oferta. Então, comecemos a entender bem o valor do tempo: o tempo é aquilo que faz penetrar, por osmose, lentamente, essa oferta dentro da alma, como alma da ação, que invade lentamente também o corpo da ação, se torna uma postura e um estado de espírito dentro da ação, graças ao que, lenta e realmente, a ação fica sendo moldada novamente.
Nós também, enfim, pagamos o pedágio aos “cristãos pelo socialismo”, para os quais de um lado está a oração e do outro aquilo que fazemos. Se teoricamente nós não somos assim, se, enquanto desejo, nós não somos assim, na prática, porém, é assim que nós somos; e esse é o crime, que furta a Deus o que lhe é devido. É disso que falava a oração que lemos há pouco: “Acolhei [benevolente] esta confissão da nossa fraqueza [esta é a nossa miséria] para que, humilhados pela consciência de nossas faltas [remorso], sejamos confortados pela vossa misericórdia”. Mas que significa “sejamos confortados pela vossa misericórdia”? Significa que Deus, tendo misericórdia de nós (o seu amor “vale mais do que a vida”14, dissemos no salmo esta manhã), lentamente amadurece a nossa consciência, amadurece todas as nossas ações como oração. Mas este é o tempo, esta é a existência, esta é a história. Pois o significado da história e do tempo é a misericórdia, como disse São Pedro, é essa misericórdia que afirma, na nossa miséria, a verdade.
De resto, o Salmo 62, que lemos esta manhã e que devemos reler pessoalmente, diz exatamente tudo isso, comunica essa experiência de segurança total, que não tem nada de presunçoso e respeita perfeitamente toda a liberdade deste mundo, mas uma liberdade vista na realidade da aliança, não vista de maneira abstrata, filosófica ou naturalista, pois se assim fosse não haveria como ficar tranqüilos de uma ora para outra. É Deus que é fiel a si mesmo, não nós fiéis a Deus. Mas isso deve se tornar princípio do nosso sentimento e deve se tornar princípio do nosso agir: essa é a conversão. E é para isso que a Quaresma solicita, como nenhum outro tempo, essa é a obra que a Quaresma (“sinal sacramental da conversão”) deve fazer em nós. “Penso em vós no meu leito, de noite, nas vigílias suspiro por vós [é o símbolo da inquietação do homem, porque comeu demais ou porque teve uma desilusão amorosa ou porque foi à falência de maneira fraudulenta]! Para mim fostes sempre um socorro [memória]; de vossas asas à sombra eu exulto!”15 Essas coisas, quando nós as lemos, nos comovem, mas não se tornam critério da nossa oração, portanto não se tornam critério da nossa vida, e o “como” da espera acaba numa confusão.
2. Jejum
O segundo tema, a segunda indicação que a oração da liturgia dava como fator do sinal da Quaresma, da realidade física, visível, que contém a ação sacramental, é a palavra “jejum”. Não podiam usar a palavra “sacrifício”, pois essa palavra tinha um sentido por demais propriamente religioso e cultual. Para nós, “sacrifício” é mais genérico, por isso nós certamente podemos usar a palavra “sacrifício” no lugar de “jejum”, ou “mortificação”, exatamente no sentido restrito do termo. Estamos falando no sentido restrito do termo: fazer sacrifícios ou fazer mortificações ou fazer jejum. De imediato, isso significa uma temperança no ímpeto, no instinto, uma temperança no uso do instinto. Temperare, em latim, significa governar de acordo com a finalidade, em vista da finalidade, portanto manter na ordem. A ordem é a relação da coisa com a sua finalidade, tanto como direção quanto como tempo. Temperar, governar a coisa em vista da finalidade é portanto manter a coisa em sua ordem dinâmica voltada à finalidade que tem.
Poderíamos então traduzir o convite ao sacrifício, o convite à mortificação e ao jejum, como fidelidade ao que é “mais significativo” na coisa. Na coisa em que nos devemos temperar, na coisa em que nos devemos mortificar e sacrificar, a norma é a fidelidade ao que é significativo, ao significado da coisa. Dizemos: o sacrifício é a fidelidade ao “mais significativo”. De fato, há um significado imediato da coisa: a pessoa tem fome, se joga de cabeça na comida; a pessoa sente afeição, vapt, “pula no pescoço”. Haveria também um terceiro campo, citemo-lo por amor a sermos completos, que é a vanglória, o orgulho, ou melhor, a sede de posse, mas de posse econômico-política. São João indica isso na sua primeira carta: “Concupiscentia carnis, concupiscentia oculorum, superbia vitae”16. Uma avidez no instinto, uma intemperança no instinto.
Mas eu quero que nos detenhamos mais na definição que dei do sacrifício como fidelidade ao que é mais significativo na coisa. Quando se come e se bebe, o que é mais significativo é que comer e beber são instrumentos para o nosso caminho, não empanturrarmo-nos ou sentirmos todo o nosso paladar reagir suave e vibrante ao contato com as moléculas do vinho. Por isso, eu chamo a nossa própria atenção para essa mortificação como expressão concreta da busca do mais significativo, também quando comemos e bebemos. De fato, a palavra jejum, na história litúrgica, indicava isso de maneira imediata (já para quem normalmente é “chato” para comer, o mais significativo é o inverso).
Mas, sobretudo, devemos centralizar a nossa atenção na afetividade (a terceira coisa, a afirmação ávida de si, poderá ser recuperada na outra indicação litúrgica, que fala da caridade fraterna): é na afetividade, justamente, que esse sacrifício, essa mortificação, como fidelidade ao mais significativo, deve agir, e deve agir ficando bem alerta, deve agir sem descanso, sem cochilar, sem parênteses de esquecimento. Fidelidade ao mais significativo: na afeição, o mais significativo não é aderir ao reflexo imediato que a afeição tem (em qualquer nível e seja lá qual for o caráter ou o nome que possa ter). Por isso, existe uma harmonia entre pessoas que, expressa de determinada maneira, divide, e existe uma inclinação que, se não é temperada, altera, faz sair do caminho. Seja como for, é suficiente que vocês reflitam sobre a fórmula “fidelidade ao mais significativo”.
De resto, a palavra mortificação não nos deve amedrontar, pois a morte já está presente na separação que faz com que, mesmo vivendo a maior intimidade, a pessoa não possa se identificar realmente com a outra. O que faz com que nos identifiquemos realmente com a outra pessoa é justamente a busca do mais significativo, é a fidelidade ao mais significativo, pois a identificação total se dá “em Cristo”17, como dizia São Paulo. A fórmula de São Paulo – “em Cristo”, “fazei tudo em Cristo”, “o mundo em Cristo” – indica a unidade profunda e final entre todas as coisas, como aquilo a que somos destinados. E, se nós dizemos sempre que a libertação é a unidade e que a escravidão é a divisão, devemos sentir essa solicitação, não como inimiga, mas como amiga.
Há um reflexo dessa “fidelidade ao mais significativo” – que deve levar a atitudes de real mortificação, que deve instaurar componentes de real mortificação –, há um teste, uma conseqüência: a liberdade, a liberdade na coisa. Esse é realmente um teste. É a partir disso que se percebe fisicamente a fidelidade ao mais significativo, e é isso que a mortificação realiza, é isso que a mortificação exalta, edifica: a liberdade. Liberdade perante o resultado, que faz com que a pessoa finalmente seja capaz de querer bem ao outro, de ser livre perante a resposta do outro, perante a maneira como o outro corresponde: é realmente a liberdade, é amar de verdade e ponto final, o amor finalmente sem a mentira. E, em segundo lugar, a liberdade perante nós mesmos, ou seja, perante o gosto. A liberdade perante o resultado, perante o outro, e a liberdade perante o gosto (mesmo perante a montanha, por exemplo, perante a neve, perante a rocha e perante a geleira; do contrário, se não é a busca do mais significativo, ir à montanha se transforma numa atividade do Clube de Alpinismo).
3. Caridade fraterna
A terceira coisa que a oração litúrgica nos indicava é a esmola (caridade fraterna). Aqui também, indico aquilo em que a conversão deve acontecer, os aspectos mais crus em que a conversão deve acontecer, deixando para entrar em detalhes a respeito da vida da casa numa outra ocasião. Em primeiro lugar, faço algumas indicações gerais, que se devem tornar concretas na reflexão.
Normalmente, nós nos relacionamos com os outros mutilando a sua história, como observaram com razão numa reunião. Que significa mutilar a história do outro ou mutilar a pessoa, reduzir o outro e reduzir a história do outro? Tendemos a reduzir a história do outro aos nossos critérios e às nossas medidas, portanto ao nosso estado de espírito, à nossa conveniência, à nossa avaliação das coisas. Tendemos a reduzir a história do outro a isso e tendemos a mutilar a personalidade do outro, pois sublinhamos o que nos interessa, o que nos corresponde, e não olhamos para o que não nos corresponde e não nos interessa, ou então temos raiva disso. Em outras palavras, é a instrumentalização do outro. Esse é o primeiro colossal e permanente pecado nos nossos relacionamentos: a instrumentalização do outro.
O segundo aspecto que sublinho, entre todos aqueles que podem ser mencionados, é uma variação dessa mutilação do outro e dessa redução da história do outro, dessa instrumentalização; essa variação se chama indiferença perante o outro. Por favor, tenham o cuidado de sublinhar isso, pois, quando vou às suas casas ou olho para o Grupo Adulto, dá para notar isso a olho nu, é uma coisa que fere o olhar: a indiferença perante o outro. Em períodos alternados, é claro. Pois existe o momento em que o outro lhe interessa; mas, fora desse momento, você fica indiferente.
O terceiro aspecto é o que a liturgia ontem à noite chamava “os hábitos autoritários e a linguagem maldosa”18, ou seja, a ira, como ressentimento interior ou como ressentimento que explode ou como ressentimento disfarçado (lamento e murmúrio).
O que origina esses graves erros na caridade fraterna, nos quais a Quaresma nos convida a ficar de olho – ficar de olho significa que todos os dias vocês devem fazer o exame de consciência sobre esses pontos; fazer o exame de consciência significa pedir a Cristo que essas coisas sejam perdoadas pela Sua misericórdia, portanto recuperadas, eliminadas na nossa história; sem essa paciência, o que fazemos não é pedir –, o que origina esses erros na caridade fraterna é a falta da “simplicidade de coração”, que é o aspecto psicológico da “pobreza em espírito”.
Insistimos na palavra “simplicidade”, a simplicidade de coração. A simplicidade de coração vive a memória no relacionamento. É a simplicidade que não julga o outro, pois, como dizia São Paulo na Carta aos Romanos, “é para seu próprio Senhor que o homem fica de pé ou cai”19 (“Domino suo stat aut cadit”, diante do seu Senhor fica de pé ou cai). A simplicidade de coração não julga o outro, mas, sim, diante do outro, procura apenas responder ao apelo de Deus pela própria maturidade que está presente na atitude do outro: a atitude do outro é a maneira como Deus me chama para o meu amadurecimento, quer tal atitude sirva de exemplo, quer sirva de mau exemplo. Sendo assim, falta caridade fraterna no relacionamento porque falta simplicidade de coração no juízo, falta a simplicidade da fé, pois a presença do outro é a maneira existencial, histórica, com a qual Deus me chama – chama a mim! – ao meu amadurecimento, me solicita para a minha maturidade.
Estes são os pontos da prática ascética que é o sinal sacramental da Quaresma, que é o sinal dentro do mistério transformador da Quaresma. O semblante da Quaresma deve ser essa prática, não tendo uma presunção a partir dessa prática, mas porque essa prática ascética constitui o instrumento expressivo (como a palavra, na afeição), a nossa palavra balbuciante, infantil, caótica, impotente, de resposta ao amor de Cristo. Essa prática ascética é justamente aquilo que tenta exprimir, durante a Quaresma, a fé graça à qual Cristo é tudo para nós e para o mundo.
Uma prática ascética, atenção, é feita sempre de duas raízes; para viver essas coisas, são necessárias duas raízes. A primeira é o juízo de valor, que se chama fé, uma vez que a fé é um juízo de valor. O que é você, para mim, agora? O que é você, que está à minha frente? Esse é o ponto. É um juízo de valor que responde a essa pergunta, e é esse juízo de valor que, respondendo a essa pergunta, estabelece a forma do meu relacionamento, mesmo que depois eu não saiba mantê-lo.
A segunda raiz é a dificuldade pessoal. Por isso, deveríamos realmente eliminar, enquanto fórmula, a frase: “Não é fácil, que dificuldade!”. “Que dificuldade!” ainda pode ser dito como exclamação. Mas “não é fácil!”, como início de um diálogo, como questão que submetemos ao juízo da autoridade ou ao juízo fraterno, “não é fácil” como problema que apresentamos,esse “não é fácil” nós realmente deveríamos eliminar; seria melhor. Porque ele é óbvio. Ao passo que, quando a pessoa diz: “Como esta comida está boa!”, aí, sim, pode dizer: “Nossa, não é fácil, que dor de barriga”. Mas o “não é fácil” apresentado como um problema é perfeitamente inútil, é realmente perder tempo, é agir como uma pessoa evasiva.
O evangelho de hoje20, que é o da tentação de Cristo, é uma página de extrema lucidez como ensinamento para nós. Em que ponto se fundamenta toda a tentação? Num juízo de valor. Primeiro, o instinto: você tem fome, então come. Depois, o tentador fica esperto, pois vê que Jesus responde: “Não só de pão vive o homem” (existe uma medida). Então, justamente em cima dos valores é que ele constrói a tentação. O que ele diz depois são valores e, de fato, são ditos por meio da palavra de Deus; o que ele diz são valores, mas valores arrancados do contexto da aliança, ou seja, da história de Deus, arrancados da sua verdade, tal como o conceito de liberdade ou como o conceito de fragilidade e de pecado, da maneira como os usamos normalmente: são arrancados da sua verdade, que é o contexto da aliança, da história.
A nós, porém, foi dito: “Bem-aventurados, bem-aventurados sois vós, pois a vós foi dado conhecer o Mistério”21.
NOTAS:
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[1] “Concedei-nos, ó Deus onipotente, que, ao longo desta Quaresma, possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder a seu amor por uma vida santa” (Oração do dia do Primeiro Domingo da Quaresma).
[2] Oração do dia do Terceiro Domingo da Quaresma.
[3] “[O profeta] representa todo o povo diante de Deus, na oração e na súplica (Ex 33,12-13): nelas ele não pede uma coisa ou outra, mas o próprio Deus, a sua presença, a sua companhia manifesta, a sua ajuda, que a sua aliança se atualize continuamente (Ex 33,14-17)” (Scuola di comunità 1974-75: La riconciliazione cristiana – 2. Liberazione dal peccato. Pro manuscripto, p. 28).
[4] Tt 2,13.
[5] Cf. Ap 22,20.
[6] Cf. Gl 4,6.
[7] Cf. Lc 11,13.
[8] Fl 2,17.
[9] Leopardi, G. “O infinito”, v. 15. In: Cantos. Tradução de Mariajosé de Carvalho. São Paulo, Max Limonad, 1986, p. 68.
[10] Cf. Is 55,8.
[11] Cf. Milosz, O. Miguel Mañara. Milão, Jaca Book, 2001, p. 68.
[12] Cf. 2Pd 3,8-13.
[13] Sl 62(63),4.
[14] Sl 62,4.
[15] Sl 62,7-8.
[16] 1Jo 2,16.
[17] Gl 3,28.
[18] Liturgia do Sábado depois das Cinzas: Is 58,9.
[19] Cf. Rm 14,4.
[20] Primeiro Domingo da Quaresma, ano A: Mt 4,1-11.
[21] Cf. Lc 8,10.
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