Queridos amigos,
tendo acabado de regressar do Sínodo dos Bispos, quero compartilhar com vocês o que considero mais decisivo da experiência vivida, como indicação para o nosso caminho.
Como sabem, o tema do Sínodo era “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”. O ponto de partida tinha sido a constatação, hoje patente a todos, de que a fé não é mais um pressuposto óbvio. Esta situação não diz respeito somente à fé enquanto experiência pessoal, mas também tem consequências sobre a vida das nações, pelo que terras fecundas podem se tornar um deserto inóspito. Desta “desertificação” já vemos diversos sinais: a emergência educativa, a crise econômica, a confusão política, a falta de confiança, a violência nos relacionamentos, a exasperação da vida social... Talvez o sinal mais significativo desta desertificação seja a incapacidade de vislumbrar um ponto de retomada, até mesmo da parte dos observadores mais sagazes, sempre prontos a evidenciar aquilo que falta, mas impotentes quando se trata de oferecer sugestões para recomeçar.
Neste contexto, é comovente ver que uma instituição como a Igreja, que carrega dois mil anos de história, ainda seja livre para se pôr em discussão. Tanto é assim que um dos apelos mais escutados na Sala do Sínodo foi aquele relativo à urgência da conversão. Todos estávamos cientes de que para fazer reflorescer o deserto não basta uma mudança de estratégia e nem mesmo uma atualização dos planos pastorais. É necessária uma autêntica conversão pessoal e eclesial. Havia a noção de que sem conversão não pode haver nova evangelização. Simplesmente porque também nós, membros da Igreja, participamos desse enfraquecimento da fé que nos trouxe à atual situação. Não por acaso, o Santo Padre proclamou um Ano da Fé precisamente para nos ajudar a redescobrir o dom e a beleza da fé.
Por onde recomeçar, então?
Desde o primeiro dia do Sínodo o Papa colocou a pergunta fundamental: “Deus falou, realmente rompeu o grande silêncio, mostrou-se, mas como podemos fazer chegar esta realidade ao homem de hoje, para que se torne salvação?” (8 de outubro de 2012).
E indicou claramente a resposta: “Nós não podemos fazer a Igreja, podemos unicamente dar a conhecer quanto Ele fez. A Igreja não começa com o nosso ‘fazer’, mas com o ‘fazer’ e o ‘falar’ de Deus. Assim os Apóstolos não disseram, depois de algumas assembleias: agora queremos criar uma Igreja, e com a forma de uma constituinte elaboraram uma constituição. Não, rezaram e em oração esperaram, porque sabiam que só o próprio Deus pode criar a sua Igreja, que Deus é o primeiro agente: se Deus não age, as nossas coisas são apenas nossas e são insuficientes; só Deus pode testemunhar que é Ele quem fala e quem falou”.
A nossa contribuição pode se inserir somente no dinamismo posto em marcha pelo próprio Deus através do Seu Espírito. “Só o preceder de Deus torna possível o nosso caminhar, o nosso cooperar, que é sempre um cooperar, não uma nossa decisão. Por isso é sempre importante saber que a primeira palavra, a iniciativa verdadeira, a atividade verdadeira vem de Deus e só inserindo-nos nesta iniciativa divina, só implorando esta iniciativa divina, também podemos nos tornar – com Ele e n’Ele – evangelizadores. Deus é sempre o início” (Bento XVI, 8 de outubro de 2012). Só quem se deixa agarrar por Deus, que se tornou próximo de nós em Cristo, poderá responder ao desafio da nova evangelização. “Os verdadeiros protagonistas da nova evangelização são os santos” (Bento XVI, 28 de outubro de 2012).
Ouvindo o apelo à conversão que provinha da Sala do Sínodo, não pude deixar de recordar o apelo que nos fez Dom Giussani há muitos anos em Viterbo, convidando-nos a “recuperar a verdade da nossa vocação e do nosso empenho”. Porque nós também, dizia, corremos o risco de “reduzir o nosso empenho a uma teorização de método sócio-pedagógico, ao consequente ativismo e à sua defesa política, no lugar de reafirmar e propor ao homem, nosso irmão, um fato de vida”. Dom Giussani perguntava: “Mas em que se apoia um fato de vida? Onde está a vida? A vida é você”. Porém, a nós muitas vezes esta posição parece pouco concreta demais, historicamente irrelevante, uma espécie de “opção religiosa”. Na verdade, continuava Dom Giussani, “que a salvação seja Jesus Cristo e que a libertação da vida e do homem, aqui e no além, esteja ligada continuamente ao encontro com Ele, para muitos de nós tornou-se um realce ‘espiritual’. O concreto seria outra coisa: o empenho sindical, a aprovação de certos direitos, a organização, as unidades de trabalho, as reuniões, mas não como expressões de uma exigência de vida, antes, como mortificação de vida, como um peso, pedágio a ser pago a um pertencer que nos encontra ainda inexplicavelmente esperando na fila”. E concluía: “A recuperação da verdade do nosso método para a retomada da vida em nós, entre nós e no lugar onde estamos, deve começar do início. Devemos retomar consciência do início de toda a dinâmica”.
Qual foi o início?
“O Movimento nasceu de uma presença que se impunha e que levava à vida a provocação de uma promessa a ser seguida. Mas depois confiamos a continuidade desse início aos discursos e às iniciativas, às reuniões e coisas a fazer. Não confiamos à nossa vida; de forma que o início, muito cedo, deixou de ser verdade oferecida à nossa pessoa e se tornou motivo para uma associação, para uma realidade na qual descarregar a responsabilidade do próprio trabalho e da qual pretender a resolução das coisas. Aquilo que deveria ser o acolhimento de uma provocação, portanto um seguir cheio de vida, transformou-se em obediência à organização”.
Para poder oferecer aos nossos irmãos homens um fato de vida, é necessário que amadureça em cada um de nós uma tal autoconsciência da nossa dependência original que nos faça renascer em qualquer escuridão; e é necessário estar de tal maneira tomado pelo acontecimento de Cristo que a Sua memória domine os nossos dias, porque nunca sou tão eu mesmo como quando Tu, Cristo, aconteces em mim e me invades com a Tua presença. Deste modo poderemos viver a vida como vocação, onde “cada coisa, cada relacionamento, cada alegria, como também cada dificuldade, encontra a sua razão última em ser ocasião de relação com o Infinito, voz de Deus que continuamente nos chama e nos convida a levantar o olhar, a descobrir na adesão a Ele a realização plena da nossa humanidade” (Bento XVI).
Para que a nossa vida possa ser transformada assim, é necessária a nossa disponibilidade para a conversão, ou seja, para o seguimento, de acordo com o convite de Dom Giussani: “Seguir é desejar reviver a experiência da pessoa que o provocou e que o provoca com a sua presença na vida da comunidade; é desejar participar da vida daquela pessoa através da qual foi levado até você algo de Outro, e é a esse Outro que você é devoto, é a Ele que você aspira, a Ele você quer aderir, dentro deste caminho”.
Só quem está disponível a seguir um mestre, tentando reviver a sua experiência, poderá dar uma contribuição à altura da situação. “Assim são os novos evangelizadores: pessoas que fizeram a experiência de ser curadas por Deus, através de Jesus Cristo. Eles têm como característica a alegria do coração, que diz com o Salmista: ‘O Senhor fez por nós grandes coisas; por isso, exultamos de alegria’ (Sal 126/125,3)” (Bento XVI, 28 de outubro de 2012). Somente nos tornando “novas criaturas” poderemos mostrar a beleza de uma existência vivida na fé, fazendo transparecer na realidade quotidiana a novidade que nos aconteceu, através da diversidade com que vivemos a vida de todos, desde o trabalho até o tempo livre, no modo diferente de usar a razão e a liberdade, de encarar as circunstâncias, a vida e a morte, de responder às necessidades dos nossos irmãos ou de participar da vida pública.
Nestes tempos, diante de tudo quanto acontece no nosso Movimento, me vem à memória muitas vezes a experiência do povo de Israel. Desejo que não nos aconteça o mesmo que aconteceu a ele: recusando-se a escutar os apelos dos profetas, o povo foi levado para o exílio. Só então, despojado de tudo, compreendeu onde estava a sua verdadeira consistência. Israel fez-se humilde e tornou-se uma presença capaz de dar testemunho do seu Senhor, livre de qualquer pretensão hegemônica de identificar a sua própria segurança com uma posse e com um êxito humano. Através da dureza daquela circunstância – o exílio -, Deus purificou o Seu povo e o fez resplandecer no meio de todos.
Recordando que “o cristão não está apegado a nada a não ser a Jesus” (Dom Giussani), ajudemo-nos a caminhar dentro da memória d’Ele, obedecendo à voz do Mistério que nos chama através dessa grande testemunha que é Bento XVI. Se nos poupássemos este que é “o” trabalho da vida, faltaríamos com a tarefa do testemunho para a qual o Senhor suscitou o carisma do Movimento na Igreja, que continua a despertar curiosidade e interesse, como pude verificar também no Sínodo.
Se seguirmos com simplicidade – como muitos de vocês me testemunham continuamente -, não perderemos o melhor que bate à porta dos nossos dias, como nos recordava sempre Dom Giussani: “É uma promessa dentro de cada batalha – enquanto dura a batalha, ao longo de todo o tempo da vida que seja luta e fadiga - de entrar cada vez mais dentro do Tu; porque o ‘Tu’ se diz a um presente: ‘Minha força e meu canto és tu’”.
Um abraço,
Padre Julián Carrón
Milão, 1° de novembro de 2012
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