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DOCUMENTOS

Preciosa pobreza

por Francesco Braschi
27/07/2017 - “Feliz de quem pensa no necessitado”. Última parte do percurso sobre a pobreza na Igreja dos primeiros séculos. Para superar um dualismo sempre à espreita. Entre fé e caridade

Santo Ambrósio – bispo de Milão entre 374 e 397 – nos oferece em um escrito da fase mais madura da sua vida uma interessante reflexão sobre o tema da pobreza. Ele sublinha como em primeiro lugar não se pode nunca prescindir da consideração do próprio Cristo como protótipo e princípio de todo juízo sobre este tema.


Os ensinamentos de Cristo, doar o pão aos pobres, claustro do Duomo de Bressanone.

Por isto, comentando o Salmo 40,2, escreve (cf. Explanatio Psalmi XL, cc. 3-7): “Escuta, pois, quem diz: Feliz de quem pensa no pobre e no fraco. Verdadeiramente feliz o homem que compartilha a dor do pobre... Mas que sentido tem este início em um discurso que diz respeito à paixão do Senhor? É verdade, sim, que ele sofreu pelos pobres, no entanto não hesitou a repreender Judas, quando este, a propósito daquele perfume que Maria havia derramado sobre os pés de Cristo, exclamava: Por que este perfume não foi vendido por trezentos denários para se dar aos pobres? Mas Cristo deu uma resposta válida para todos: Deixa-a! Que ela o guarde em vista do meu sepultamento. Os pobres, sempre os tendes convosco. A mim, no entanto, nem sempre tereis. Portanto, há de ser um outro esse feliz que pensa no pobre. Aqui se trata da fé, enquanto, em outro lugar, da misericórdia. Em primeiro lugar, pois, situa-se a fé, em segundo a misericórdia. A misericórdia é preciosa somente se é acompanhada pela fé, sem a fé é despojada, sem a fé é insegura: é a fé o fundamento seguro de toda virtude. Feliz, pois, quem pensa na miséria e na pobreza de Cristo, que, de rico que era, tornou-se pobre por causa de nós. Rico em seu reino, pobre na carne, porque tomou sobre si esta carne de pobres. Com efeito, nós nos empobrecemos ao extremo, porque, por causa do engano da serpente, perdemos as preciosas vestes das virtudes; fomos banidos do paraíso… Logo, se Ele é carente e pobre na carne, é certamente carente e pobre no sofrimento desta carne. Não sofreu, pois, na sua riqueza, mas na nossa pobreza… Procura, então, penetrar o sentido da pobreza de Cristo, se quiseres ser rico! Procura penetrar o sentido da sua fraqueza, se quiseres obter a saúde! Procura penetrar o sentido da sua cruz, se quiseres não envergonhar-te dela; o sentido da sua ferida, se quiseres curar as tuas; o sentido da sua morte, se quiseres ganhar a vida eterna; o sentido do seu sepultamento, se quiseres encontrar a ressurreição”.


Rubens, Cristo na casa de Simão o fariseu, Museu de Hermitage, San Pietroburgo (Rússia).

Modo de viver. A pobreza de Cristo, pois, é de se compreender em primeiro lugar à luz da fraqueza, das feridas, dos sofrimentos que marcaram a Sua vida terrena e marcam também a nossa. Para reconhecer sem vergonha o valor salvífico desta indigência, pela qual nos é pedido ter fé (para podê-lo imitar) no modo em que Cristo viveu a Sua pobreza, antes de qualquer consideração de tipo caritativo.

Na verdade, o próprio exercício da misericórdia, segundo Ambrósio, é guiado pela fé, e a fé consiste em primeiro lugar em reconhecer – em cada seu momento – todo o alcance da Encarnação de Cristo, que veio curar a pobreza que é – depois do pecado original – a condição real de todo homem. Mas esta fundamental afirmação não pode, para Ambrósio, permanecer puramente teórica: eis por que a aplica logo no cotidiano de todo fiel: “Mas tu poderias dizer-me: “Como poderei ser rico na pobreza de Cristo?”... O apóstolo disse: o Senhor Jesus tornou-se pobre, de rico que era, para que vos torneis ricos, por sua pobreza. Qual é, então, essa pobreza que torna ricos? Reflitamos e voltemo-nos para este venerável sacramento [ele entende com esta palavra a celebração pascal conjunta do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia]! Que pode existir de mais puro e de mais simples? O pecador não se lava no sangue de cabras ou de carneiros – não é assim que a pessoa se purifica, porque se lava o corpo, mas não se dissolve a culpa. Mas, está escrito, jorrará água com alegria do manancial da salvação, e é preparada à tua frente uma mesa celeste. Que maravilha o cálice que transborda! Esta é a riqueza da simplicidade e nela reside a preciosa pobreza de Cristo. Há uma bela pobreza também no modo de viver, que fez o Senhor dizer: Felizes os pobres em espírito. Encontramos também nos salmos que o Senhor salvará os humildes de coração ferido”.

A participação cotidiana à pobreza de Cristo, pois, ocorre na Igreja e por meio dos Sacramentos, cujo escopo é o de aumentar a nossa familiaridade com Cristo de modo a sermos capazes de reconhecer os Seus traços, seja em nós, seja nos pobres que ele nos faz encontrar, e graças aos quais podemos aprender o sentido mais verdadeiro da pobreza: a das bem-aventuranças, ou da "humildade em espírito". Entende-se assim também a esplêndida expressão de são João Crisóstomo (IV-V sec.), que põe em luz uma ousada, mas inegável correspondência entre a presença real de Cristo na Eucaristia e nos pobres: “Queres honrar o Corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos pobres que não têm que vestir... Aquele que disse: “Isto é o meu Corpo”, confirmando com a palavra o ato que fazia, também afirmou: “Vistes-Me com fome e não me destes de comer”, e ainda: “Todas as vezes que não fizestes isso a um desses mais pequenos, foi a mim que o deixastes de fazer!... De que serviria, afinal, adornar a mesa de Cristo com vasos de ouro, se Ele morre de fome na pessoa dos pobres?”. Uma identificação que é querida pelo próprio Cristo, e que supera todo dualismo, sempre à espreita também no nosso tempo, entre fé e caridade.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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