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HISTÓRIA

“Todo homem tem direito à verdade”

por Marina Massimi
15/03/2011 - Este texto, publicado originalmente na revista Litterae, visa recuperar o valor da história e seu sentido para nós, à luz da experiência que encontramos e que nos chamou a sermos protagonistas com Cristo desta mesma história
Henri Matisse. <em> Ícaro</em>, em <em>Jazz</em>, 1947.
Henri Matisse. Ícaro, em Jazz, 1947.

O convite do texto a seguir, de uma série de artigos sobre a história, é que iniciemos um diálogo a respeito dos temas que vêm sendo apresentados.
A proposta para os próximos artigos, visando nos ajudar a aprender um método de estudar, de ler, de nos posicionar diante do que encontramos, começa com algumas provocações: apresento alguns temas “quentes” discutidos normalmente nas aulas de história, através de diversos posicionamentos a respeito, correntes e contraditórios, lidos recentemente em alguns livros.
Na esperança de que o desejo e o gosto de experimentar uma vida nova também no cotidiano do estudo ou do trabalho didático vençam a preguiça, o hábito, e tudo o mais nos impede de sermos efetivamente protagonistas da realidade que nos é dada.

1) Os índios não eram considerados homens, na época da colonização?

“Os europeus julgavam que os povos ‘não civilizados’ não tinham os mesmos direitos que eles, como o da posse das terras. Os europeus consideravam-se os donos do mundo e achavam que todos os outros povos deviam seguir as leis que existiam na Europa.
Ainda hoje existe a idéia de que os índios são seres inferiores, que não têm os mesmos direitos que os brancos. É essa a mentalidade que nos foi transmitida pelos colonizadores. Seria muito mais fácil para eles justificar o extermínio dos índios se estes fossem considerados seres inferiores, sem nenhum direito, nem mesmo à vida.”
(Piletti, Nelson & Cláudio. História e Vida, vol. I. Brasil: da Pre-história à Independência. São Paulo, Ática, 1997, p.40. Primeiro grau)

1. Todo índio é homem e conseqüentemente é capaz de salvar-se e de condenar-se.
2. Todo homem é pessoa e dono de seu corpo e de suas coisas.
3. Por ser pessoa, o índio tem direito a seu livre arbítrio e é dono de seus atos. (...)
6. Por direito natural, todos os homens são livres, e no uso desta liberdade fundamental os índios livremente se constituem em comunidade e livremente elegem e se deram seus próprios governantes. (...)
9. O título que o homem tem das coisas deriva de que é imagem de Deus, sem que perca este domínio em razão de sua infidelidade ou pecados de idolatria. (...)
11. Nem em razão de seu atraso social ou humano, nem por sua inferioridade cultural ou desorganização política, podem os índios ser privados de seus bens e poderes. (...)
13. Os índios não podem ser obrigados a mais do que sua natureza lhes determina.
14. Todo homem tem direito à verdade, à educação e a tudo o que se refere à formação e promoção cultural e espiritual do homem.”
(Vitoria, Francisco de. Relectio de Indis. Salamanca, 1539. Edição recente: Madri, Consejio Superior de Investigaciones Cientificas, 1989, p. 117)


2) Os missionários foram agentes do poder colonial e destruidores das culturas indígenas?

“O trabalho dos padres foi muito importante para a dominação dos índios e para a ocupação da terra pelos portugueses. Os padres ensinavam aos índios que a religião católica é a única verdadeira, que eles deviam seguir os seus ensinamentos, que eles deviam seguir os costumes europeus. Assim os padres defendiam a superioridade dos europeus e a submissão dos índios. Isso facilitava o trabalho de conquista dos colonizadores.”
“Nas últimas décadas, o trabalho que a Igreja realiza junto aos povos indígenas mudou bastante. Em vez de obrigar os índios a vestir-se como os brancos, a falar como os brancos, a seguir a religião dos brancos, a trabalhar como os brancos, a Igreja está adotando uma nova posição, de respeito aos costumes, à cultura dos índios.”
(Piletti. Ibidem, p.108- 112).

“Em seu seio Tupã toma um corpinho
e dela está a nascer, sem a forçar,
a extirpar nosso mal, nos visitar,
pois quis ser como um lindo menininho.
Mãe de Tupã, Maria é vencedora,
de anhangá inimiga, e seu terror;
nossa amiga ao lutar, nosso valor,
da vida boa nossa promotora.”
(Anchieta, J. Lírica portuguesa e tupi, tomo I. São Paulo, Edições Loyola, 1984)

3) A Igreja: primeira agência de condicionamento do comportamento humano

“Monopolizadora da cultura medieval, pois quase todos os homens cultos da Europa eram padres, a Igreja católica condicionou o homem a acreditar que Deus era o centro de todas as coisas (teocentrismo) e que, para salvar sua alma, ele deveria reconhecer seus pecados e se submeter aos sacramentos e às autoridades eclesiásticas. O homem medieval foi também condicionado a crer que a Igreja era a intermediária indispensável entre o indivíduo e Deus, e que a Graça divina só seria alcançada através dos sacramentos. Havia apenas um caminho para o céu, e esse caminho passava pela Igreja.
Defendendo os mais altos interesses da classe dominante, da qual era componente, a Igreja católica afirmava que cada um tinha um dever a cumprir. Assim, o dever do servo era trabalhar para o seu senhor, e o do clero era de rezar.”
(Silva, Francisco de Assis. História Geral. História antiga e medieval. São Paulo, Editora Moderna, 1994, pp. 127-128. Primeiro grau)

“A sociedade desse tempo acreditava firmemente na solidariedade, na responsabilidade coletiva. Tanto no bem como no mal. Quando um aldeão cometia um crime, todos os seus vizinhos se sentiam ultrajados. Da mesma forma, todos pensavam poder ser salvos pela pureza, pela abstinência de uns poucos representantes, os monges.“ (G. Duby. A Europa da Idade Média. 1988, p. 26)

“O fruto mais importante do Renascimento do século XII foi o nascimento do indivíduo com novas orientações psicológicas, com um olhar mais profundo à natureza do homem.
As significativas mudanças sociais, religiosas e intelectuais que marcaram este desenvolvimento cultural expressaram-se no fato de que se começou a atribuir maior importância aos relacionamentos pessoais, nas relações com Deus assim como nas relações com os outros homens. A confissão, instrumento de análise do mundo interior do indivíduo, o misticismo, os experimentos no campo das autobiografias, as tentativas de passar do ícone ao retrato, a meditação da imagem de Cristo (sua humanização), a lírica de amor, o nascimento da introspeção psicológica: (...) foi então que se formaram muitos aspectos da personalidade peculiar do homem ocidental que permaneceram até a idade moderna.”
(A. Gurevic. La nascita dell’individuo nell’Europa medievale. Bari, La Terza, 1996, p. 9-10)


4) A inquisição fez milhares de vítimas?

“A Igreja católica empreendeu verdadeira guerra contra os hereges. Ainda no início do século XIII, ela criou a Inquisição, também chamada de Tribunal do Santo Ofício, especificamente para investigar, julgar e condenar hereges e, com isso, assegurar a aceitação dos dogmas da fé.
Os inquisidores (membros da Inquisição) torturavam os suspeitos de heresia até a confissão, e as penas impostas variavam de acordo com o grau de culpa do réu confesso: jejuns, orações, multas ou prisões. Os hereges que persistissem nas suas idéias eram entregues pela Igreja ao poder civil e condenados à morte na fogueira.
A Inquisição foi responsável pela morte de milhares de judeus, árabes e cristãos considerados heréticos.” (Silva, Francisco de Assis. Ibidem, p. 128)

“Teriam todos o coração cheio de fel e estaria toda essa gente embrutecida pela má fé? Será crível que, durante tão largo tempo, a Igreja haja abandonado Cristo?.
Tantos aparentes paradoxos têm como causa inicial de incompreensão este grave erro: transporta-se em bloco a Inquisição para a atualidade, a fim de julgá-la dentro da atmosfera, das necessidades e das categorias mentais modernas, radicalmente diferentes do universo em que ela viveu. Desse modo, torna-se impossível aceitá-la e forçosamente ela horroriza.”
“A Inquisição, enquanto instituição humana, nasceu e permaneceu imersa no mundo que a envolvia, que a explica e que a modelou. Logo, sem conhecer este mundo, não poderemos julgá-la. Como o Santo Ofício integrou a Justiça Criminal de sua época, torna-se preciso saber de que modo se comportava essa justiça. A inteira Justiça, tanto a comum como a eclesiástica, esteve sob a influência de um complexo de fatores, que criavam toda uma peculiar formação cultural. Eram condições culturais, políticas, sociais, econômicas, religiosas, científicas, que moldavam certo estilo de vida, muito diferente do nosso.”
(Gonzaga, J. B. A Inquisição em seu mundo. São Paulo, Saraiva, 1993, pp. 19-20).

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