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MÚSICA

A volta ao lar de Bono e companheiros

por Walter Muto
09/02/2015 - Lançado entre polêmicas, o mais recente CD do quarteto irlandês esconde, nas faixas, a memória de feridas mal cicatrizadas e os primeiros passos da banda. Um lugar de inocência para onde até os pop stars cinquentões e milionários querem voltar
''Songs of Innocence'', o último álbum do U2.
''Songs of Innocence'', o último álbum do U2.

A banda irlandesa U2 surpreendeu oferecendo o novo álbum, Songs of Innocence, como presente a milhões de usuários via iTunes. Os críticos comentaram que deste modo a atenção do público, em vez de se focalizar nas canções, lançou-se sobre tal operação e tudo o que provoca. Tanto que o próprio Bono, num vídeo no qual ele e o grupo respondem às perguntas dos fãs, reconheceu que a decisão tomada talvez não tenha sido a melhor. Agora que a poeira assentou e o CD foi lançado no comércio, queremos dedicar um pouco de atenção para escutar as canções e assinalar os pontos interessantes. Muitas vezes, na trajetória da banda irlandesa, multidões de fãs reclamaram diante dos lançamentos surpreendentes, dos quais só se compreendeu a importância cinco ou dez anos depois.
Não sei (ainda) se este é um caso igual. O que sei, das primeiras vezes que ouvi, é que a vontade da banda foi, embora mantendo linguagem e vocabulário rock, de lançar-se numa sintaxe dominante: junto a Flood, que há anos trabalha com a banda, outros produtores foram chamados a dar uma marca ao trabalho, os mesmos que trabalharam com Adele, Coldplay, Florence and the Machine e outros. A produção global é atribuída a Danger Mouse (Brian Joseph Burton, nascido em 1977), acreditado entre outros por Norah Jones, os Gorillaz e os Black Keys. O som é vigoroso, esculpido em sua plenitude e vazio e isto, deve-se dizer, é bastante atraente. Ouvido a todo volume, o impacto e os arranjos – que compreendem também o som – são verdadeiramente notáveis. Porém, é suficiente um belíssimo vestido para que se possa dizer a uma mulher que ela é bela? Metáforas à parte, são belas as canções? Podem nos transmitir algo? Um longo texto de Bono serve como introdução e ajuda na compreensão das letras. No início são apresentados tributos musicais às bandas que mais influenciaram os quatro amigos que se tornariam o U2. Os Ramones são homenageados na primeira e possante faixa The Miracle (of Joey Ramone); já os Clash recebem a homenagem na penúltima faixa This is Where You Can Reach Me Now. Há também uma citação-tributo aos Beach Boys em California.
Em resumo, desde o título já se previa que o álbum quer ser uma volta ao lar, através de canções de inocência ou, melhor, canções que trazem a memória e o sabor do tempo em que a banda dava seus primeiros passos. Por exemplo, entrando às escondidas no concerto de The Clash porque um amigo tinha conseguido fazê-los entrar por uma porta secreta. Sabor presente também na belíssima Song for Someone que passa da atmosfera acústica das estrofes na andatura U2 característica no refrão, incluindo o slogan do cantar junto a plenos pulmões, para voltar para casa no final: And I’m a long way from where I was and where I need to be (“estou muito longe de onde estava e de onde preciso estar”).

Declaração de uma saudade. No seu texto introdutório, Bono fala sobre a perda da mãe a qual é dedicada a canção Iris (Hold Me Close). A voz de Bono, no CD, em geral, e aqui, em particular, está em plena forma e emociona nesta canção (a quinta no repertório U2) dedicada à mãe. É bom ler integralmente a introdução de Bono à canção para entender melhor sua profundidade. “Minha mãe morreu naquele ano (1974, Bono tinha 14 anos) e meu avô também. Enquanto seu pai era sepultado, Iris caiu desmaiada sobre o túmulo e, alguns dias depois, também faleceu. Belíssima Iris, o seu humor negro como seus cabelos encaracolados. Na morte, tendemos a olhar para o outro lado até que o rosto do falecido entre em nosso campo visual... um encontro de olhares em que a morte sempre vence e nós somos deixados em pedaços pela perda de alguém que nos é realmente próximo. Devo-lhe, Iris. A sua ausência, eu a preenchi com a música.”
“Aperta-me fortemente”, Hold Me Close, justamente, é o grito do refrão, um tapa na cara, a declaração inocente, esta sim, de uma saudade. De uma ferida ainda aberta, mesmo depois de 40 anos. “Desde que nascemos começamos a esquecer/ a verdadeira razão pela qual viemos/ mas você, tenho certeza, a encontrei muito antes da noite/ o início acabou / nos encontraremos ainda...”.
Iris é, com certeza, o episódio de maior espessura de todo o trabalho que, de todo modo, não é um álbum para se escutar distraidamente. Um trecho das anotações referentes a Volcano, faixa que mostra com vigor ainda um retorno aos anos iniciais da banda e à música que atuava como experiência de vida, numa realidade para a qual, talvez, não se quisesse olhar. Sobre a sombria, talvez um pouco sinistra, porém intrigante faixa conclusiva The Troubles, por sinal, enriquecida pela voz da cantora sueca Lykke Li (de 28 anos). Não sei, ao certo, se o título da canção se refere ao nome dado aos contínuos conflitos etno-nacionalistas que duraram 30 anos na Irlanda do Norte, desde o final da década de 1960 até 1998, com consequências mesmo depois. É verdade que Bono fala de uma bomba que explodiu em Dublin também num texto escrito no livreto incluso ao CD. Em verdade, o texto parece mais íntimo e, musicalmente, a canção refere-se a outra grande canção que encerra o álbum, do mesmo modo que Love is Blindness fez no álbum Achtung Baby, e também à atmosfera de outra grande peça como If You Wear That Dress Tonight.
Concluindo: é um típico disco do U2. Do U2 como são agora, entre os 50 e 60 anos, pop stars milionários contando situações que viveram, falando do mundo ao qual querem voltar e fazer voltar seus inúmeros ouvintes.

U2, Songs of Innocence Island Records, 2014

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